A arte pós-Internet apodera-se de Lisboa com o New Art Fest

Há um novo festival em Lisboa, que começa esta quinta-feira, para celebrar ou interrogar a nossa relação com a tecnologia através de exposições, circuitos urbanos ou concertos.

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Alexandra Cárdenas dr
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A Moeda dr

É esta quinta-feira que tem início o The New Art Fest, um festival internacional de arte pós-Internet, misturando arte, ciência e tecnologia, reflectindo a actual justaposição dos universos digital e material, com recurso a instalações interactivas, projecções audiovisuais ou exposições de realidade aumentada e arte generativa. Com direcção artística do artista e produtor António Cerveira Pinto e organização da Ocupart – Arte em espaços improváveis –, acontecerá em Lisboa até 10 de Novembro, juntando 40 artistas.

No Museu Nacional da História Natural, com inauguração esta quinta, estarão patentes projectos artísticos materiais de Carlos Noronha Feio, CADA, Miguel Palma, Leonel Moura ou Eva and Franco Mattes, e projecções audiovisuais de Lynn Hershman Leeson, John Klima ou Eileen Yaghoobian. Haverá também um circuito de arte digital pelo centro histórico (em montras de lojas do Chiado como a Diesel, a Vista Alegre, a Fábrica Features, a Perfumes & Companhia ou a Livraria Sá da Costa), seminários, uma exibição artística de experiência de realidade aumentada ou uma performance de live coding com música em tempo real no Mercado da Ribeira.

Esta performance acontecerá na sexta, pelas 21h30, com a colombiana Alexandra Cárdenas e o inglês Ryan Kirkbride. Na mesma vai ser produzida música em tempo real através do recurso a ambientes de programação informática que descrevem padrões de música, ao mesmo tempo que são manipulados samples e sons digitalizados. “O live coding é uma prática performativa recente, que tem as suas origens há 15 anos”, diz-nos ao telefone desde Berlim, onde reside, a compositora, programadora e performer Alexandra Cárdenas, que se tem focado na exploração da musicalidade do código e do comportamento algorítmico da música. “Durante muitos anos programar e operar em tempo real eram práticas diferentes, mas agora com computadores rápidos e programas eficientes é possível, digamos assim, programar um computador ao vivo.”

Começou por estudar guitarra clássica aos 15 anos. Depois, progressivamente, foi descobrindo compositores contemporâneos da tradição electroacústica. “Fui descobrindo que era mais compositora do que intérprete, principalmente quando penso no plano da música clássica”, afirma, analisando a sua descoberta da música electroacústica e a revolução que foi na sua adolescência começar a processar sons digitalmente e nos anos mais recentes o Live Coding, que “permite programar, improvisar ou assimilar o erro, transformando-o”.

Um dos elementos que gosta de manipular nas suas performances é o som concreto das cidades. Diz que o da Cidade do México, onde viveu, é totalmente diferente de Tóquio, onde esteve recentemente, ou de Berlim, onde habita. “Cada cidade tem as suas especificidades sonoras. A maior parte daquelas que conheço da América do Sul é muito diferente das da Europa que, por norma, acabam por ser mais ordenadas dentro de uma certa desordem.” Ao longo da conversa percebe-se que gosta de colocar em perspectiva a realidade, não parando de a interrogar.

“O live coding é um novo paradigma, uma técnica criativa, que coloca em causa conceitos operatórios que tendemos a dar como adquiridos. O que é um intérprete ou um compositor? Alguém que estudou no conservatório durante anos? Ou pode ser um arquitecto, um designer ou um informático que cria sons? Provenho da comunidade da música clássica, que pode ser muito snob. São a elite. Sabem o que é suposto ser música. Ora a mim interessa-me interrogar todo esse saber”, ri-se ela.

No limite interessa-lhe questionar a relação entre arte e ciência, entre homem e máquina, a partir da música. “As máquinas são uma coisa recente na história humana e ainda temos dificuldade em conviver com elas”, afirma, tentando colocar as coisas em perspectiva. “Sempre que uma máquina nova aparece, a tentação é ter medo dela. Aconteceu com o telefone ou o computador. Temos medo do desconhecido e essencialmente medo de como a tecnologia pode funcionar como espelho. A tecnologia mostra quem nós somos – é uma extensão de nós. E nem sempre estamos preparados para ver coisas que não queremos ver.”

Um dos projectos que o The New Art Fest leva ao Museu Nacional de História Natural levanta o mesmo tipo de questões. Chama-se A Moeda, e é uma app criada e desenvolvida pelo grupo artístico CADA, questionando a nossa relação com a tecnologia na vida quotidiana e reflectindo a emergência de máquinas autónomas no contexto da Internet of Things.

A Moeda é um objecto semiautónomo que é passado entre hospedeiros humanos, sendo a sua viagem definida pelo desejo de regressar a casa. Cabe aos hospedeiros, ou seja a nós, interpretar que parte da viagem resulta do seu próprio comportamento ou da, digamos assim, vontade própria da moeda. No final, interrogamo-nos: como imaginamos, afinal, a partilha da nossa vida quotidiana com máquinas semi-autónomas? E que grau de autonomia estaremos preparados para deixar os objectos terem?

Procuram-se respostas, ou novas interrogações, no The New Art Fest.

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