Pinto Ribeiro sai da Culturgest para não se "eternizar"
António Pinto Ribeiro, director artístico da Culturgest há 12 anos, assinou ontem o contrato de rescisão do centro cultural privado que é considerado, pelos seus colegas programadores, um caso "pioneiro" e "exemplar" em Portugal.Pinto Ribeiro, 48 anos, sai da Culturgest a 23 de Abril, mas deixará de tomar decisões a partir da próxima semana. Sai porque "ao fim de 12 anos é altura de fazer outros projectos" e porque "as pessoas, nestes cargos, não se devem eternizar".A chegada de Miguel Lobo Antunes à Culturgest - onde iniciou funções como vice-presidente há menos de um mês - levantou a dúvida sobre como iriam dois "mestres" da programação trabalhar juntos num centro tão pequeno. Ontem, por telefone, Pinto Ribeiro disse que não é por isso que sai e que a nomeação de Lobo Antunes o tranquiliza em relação ao futuro. É seu amigo há anos e Pinto Ribeiro descreve-o num comunicado como "um dos melhores gestores culturais portugueses".Será Lobo Antunes, 57 anos, ex-administrador do Centro Cultural de Belém (CCB) em Lisboa, quem irá, para já, fazer a programação. Num novo modelo semelhante ao do CCB, Lobo Antunes terá uma equipa de consultores, disse ontem o presidente da Culturgest, Manuel José Vaz, 76 anos, na empresa desde 1992 e o único, ontem, autorizado a comentar a notícia. O cargo de director artístico, disse, fica "congelado"."Foi uma rescisão amigável", disse Vaz. "Chegámos a um acordo que agrada a ambos. António Pinto Ribeiro, um excelente programador, saiu de sua inteira e livre vontade e desejo-lhe as maiores felicidades."Ontem, na Culturgest, a notícia não foi recebida com surpresa. Entre a pequena equipa de 29 pessoas - do director técnico aos funcionários das bilheteiras - há semanas que se falava desta possibilidade. Mas muitos trabalharam directamente com o que foi o único director artístico da Culturgest e, por isso, lamentam a saída."Vou cuidar de mim e viajar"Segundo o presidente, o programador escreveu-lhe há cerca de um mês e meio informando a administração de que queria sair. "Não fiquei muito surpreendido", disse Vaz. "Se ele diz que as empresas devem, ao fim de um certo tempo, renovar, é natural e lógico que queira sair."Convidado no Verão pelo presidente da Fundação Calouste Gulbenkian para co-dirigir (com Catarina Vaz Pinto, ex-secretária de Estado da Cultura) um ambicioso programa de criação, Pinto Ribeiro sai sem nenhum outro plano concreto. "Vou cuidar de mim e viajar", disse ontem por telefone.A Culturgest, criada pelo grupo Caixa Geral de Depósitos em 1992 para programar actividades culturais na então nova sede no Campo Pequeno, e que este ano tem um orçamento de 2,5 milhões de euros, tem vivido um ano irregular. Entre 1999 e Fevereiro do ano passado, porém, diz Pinto Ribeiro, teve um aumento de 400 por cento de público.Num comunicado em tom de carta de despedida, Pinto Ribeiro diz que deixa a programação de espectáculos definida até Janeiro de 2005 e a de exposições até finais de 2006, "caso [Lobo Antunes] a queira assumir". O presidente Vaz respondeu ontem que "com certeza que sim".Uma Casa do Mundo, uma ideia originalNem todos gostam dos "objectos estranhos" que passaram na Culturgest - sobretudo a arte contemporânea não ocidental - mas é unânime que Pinto Ribeiro deixou uma marca forte. Fez uma programação com um "perfil absolutamente marcado", comentou ontem Delfim Sardo, director do Centro de Exposições do CCB, e "foi o primeiro a definir uma instituição de uma forma absolutamente clara, 'Uma Casa do Mundo' - uma atitude a que eu dou muita importância". A perspectiva escolhida, o multiculturalismo, "é muito importante na curadoria na Europa e nos Estados Unidos". "Fico com pena que a Culturgest fique sem ele - o António Pinto Ribeiro tem muito para dar a Portugal."João Fernandes, director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto, diz que Pinto Ribeiro teve um "papel extraordinário", sobretudo nas artes performativas, e que "não programou à escala de uma cidade ou de um país - a sua programação tem um acentuado reconhecimento internacional".Além disso, sublinham ambos, Pinto Ribeiro contribuiu para o debate de ideias e em particular na defesa da qualidade da programação e da formação de programadores ("contrariando a tendência para se pensar primeiro nos espaços e só depois nos programas", diz Fernandes).No comunicado de ontem, Pinto Ribeiro diz que a Culturgest é hoje "uma referência importante no panorama nacional e internacional" e que "esta constatação é muito gratificante". Como se avalia isto em concreto? "São informações dos meus colegas directores de festivais internacionais e directores de museus", disse. "E o facto de fazermos co-produções internacionais e de muitas das nossas obras circularem internacionalmente."Entre os parceiros internacionais da Culturgest, Pinto Ribeiro destaca o Festival das Artes de Bruxelas, o Théâtre de la Monnaie, a ópera de Bruxelas, a Fundación la Caixa de Madrid, o Festival de Edimburgo e o IRCAM de Paris, dirigido pelo maestro Pierre Boulez.O que vai mudar? "Sobre o futuro só o Miguel poderá responder", diz Pinto Ribeiro. Uma das questões levantadas recentemente foi a de transformar a Culturgest numa fundação. Ontem, Manuel José Vaz disse não ter uma "ideia formada" e que este "é um assunto delicado". Mas disse que não haverá "nenhuma mudança de atitude": "Vamos continuar na modernidade. Não queremos fazer aquilo que os outros fazem, gostamos de fazer diferente."