Marisa Monte Não me preocupo em ser pop mas em ser própria
Marisa Monte dá hoje início à digressão europeia de Universo Particular, síntese dos seus mais recentes CD. E começa pelo Porto
1967 Marisa de Azevedo Monte nasce a 1 de Julho, no Rio de Janeiro
1985 Passa dez meses em Itália. Estuda canto lírico e actua em bares nocturnos.
É aí que o produtor e escritor Nelson Mota
a ouve e decide apadrinhá-la
1989 Primeiro CD, Marisa Monte, gravado ao vivo no Rio, resultante do registo de um show especial para a rede Manchete
1991 Segundo CD, Mais, o primeiro produzido por Arto Lindsay
1994 CD Verde Anil Amarelo Cor de Rosa e Carvão, também com produção de Lindsay
1996 CD Barulhinho Bom, co-produzido por ela e Arto Lindsay
2000 CD Memórias, Crónicas e Declarações de Amor. Disco e DVD, este lançado em 2002, tiveram grande êxito junto do público e foram um sucesso de vendas
2002 CD Tribalistas, resultante de uma parceria com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, que só no ano de lançamento vendeu mais de um milhão de cópias
2003 Nasce o primeiro filho de Marisa Monte, Mano Wladimir, fruto da sua relação com o músico Pedro Bernardes
2006 Lançamento conjunto dos CD Infinito Particular e Universo ao Meu Redor, que servem de base aos actuais shows da cantora
Há quem diga que ela grava pouco porque passa muito tempo nos palcos. É verdade. Mas isso não a incomoda. Marisa Monte, que se afirmou primeiro em palco do que em disco, regressa a Portugal para cinco concertos, dois no Porto (hoje e amanhã) e mais três em Lisboa (de sexta a domingo próximos). Na bagagem traz um espectáculo que é uma síntese dos seus discos "gémeos", ambos lançados em Março (Infinito Particular e Universo ao Meu Redor), mas que é simultaneamente um olhar sobre parte do seu reportório anterior à luz do seu percurso mais recente. Em palco não haverá, desta vez, imagens projectadas nem holofotes multicolores. Apenas uma luz branca e artefactos de cinema. Com Marisa Monte, estarão em palco nove músicos: Dadi no baixo, Pedro Baby no violão, Mauro Diniz no cavaquinho, Carlos Trilha nos teclados, Marcelo Costa na bateria, Maico Lopes no trompete, Pedro Mibielli no violino, Marcus Rineiro no violoncelo e Juliano Barbosa no fagote. De Portugal, onde começa a digressão europeia do espectáculo Universo Particular (título onde se misturam as ideias-chave dos títulos dos dois discos), Marisa partirá para Madrid, Barcelona, Zurique, Viena, Bruxelas, Londres, Milão, Florença, Roma e Paris. Depois virão os Estados Unidos, de novo o Brasil e, finalmente, a América Latina e a Ásia. "Acho que a tournée só deve terminar no final do ano que vem", diz a cantora via telefone, no preciso dia em que já tinha as malas feitas para rumar a Portugal.
No título dos seus últimos discos usou palavras tão abrangentes quanto Universo e Infinito. Que significado tem essa escolha na sua carreira?
Na verdade, Infinito Particular e Universo ao Meu Redor significam dimensões complementares da nossa existência. Uma é a dimensão exterior, o mundo que observamos, com que interagimos, comum a todos e que é observado através do olhar individual de cada um. Outra é essa imensidão íntima que é a dimensão interna de cada um de nós, o nosso infinito particular.
A sua face mais pop, presente num dos discos, é a preponderante em palco?
Eu acho esses rótulos simplistas. A ideia de pop é muito vaga. No meu trabalho cabem muitos tipos de música diferentes daquilo que é considerado pop. Acho que a minha busca, o meu objectivo, é desenvolver uma linguagem própria para o que faço, uma música particular que é minha. Não me preocupo em ser pop mas em ser própria.
Disse numa entrevista recente que a ideia de juntar em palco instrumentos menos usuais nos seus espectáculos como o violino, o violoncelo, a trompete e o fagote partiu do compositor minimalista Philip Glass. Como surgiu essa sugestão?
No primeiro disco que fiz destes dois últimos, Universo ao Meu Redor, lidámos com muita liberdade. Tínhamos os instrumentos tradicionais do samba mas fomos muito além nas texturas com esses instrumentos mais clássicos, orquestrais, como o fagote, o violoncelo, o violino... Tivemos também muitos teclados antigos e processadores da última geração. Com isso a gente processou, filtrou, usou reverbs, delays... O disco lida com a atmosfera do samba mas é muito psicadélico.
Isso foi no disco. Mas como surge Philip Glass nesse contexto?
Surgiu com o segundo disco, Infinito Particular. A ideia era ter arranjos escritos, de diferentes arranjadores que escrevessem todos para a mesma formação. O primeiro que eu convidei foi o Philip Glass. E, em conversa com ele, disse-lhe que tinha um disco feito, ia fazer outro e que iam estar juntos no palco. Por isso, queria usar uma formação que eu usasse já no novo disco, para os arranjos escritos, e ao mesmo tempo utilizar alguns instrumentos já presentes no disco de samba. Ele quis saber quais. E eu disse-lhe: fagote, violino, violoncelo, harpa. Ele achou a harpa complicada de usar na estrada e sugeriu juntar um trompete para formar um quarteto com duas cordas e dois sopros. Ficou este quarteto mais cinco músicos. Além de mim, que toco também.
Essa escolha levou a uma readaptação das músicas para palco?
Os outros arranjadores, o Eumir Deodato e o João Donato, escreveram também para essa mesma formação. E é interessante, porque cada arranjador tem um sotaque diferente. E o facto de ter o mesmo grupo de instrumentos, com uma orquestração predefinida, criou uma unidade sonora e uma textura comum às músicas.
Além de canções dos seus recentes discos, que outras integram o espectáculo?
Há algumas canções dos Tribalistas que eu nunca tinha cantado ao vivo e há algumas dos discos anteriores: umas que eu já não cantava há algum tempo, outras que nunca integrei nos espectáculos, coisas que toda a gente conhece. Fiz uma recolha em todos os meus discos antigos de canções que achei que já era hora de cantar de novo e que criavam um equilíbrio interno interessante.
No palco, além da unidade sonora de que falou, anuncia-se também um trabalho cénico que incorpora elementos ligados ao universo do cinema: gruas, holofotes...
Desta vez não haverá projecções. Temos painéis de laser onde passam imagens em movimento, abstractas em cor e forma. Como se fossem placas de luz. Além desses painéis só há luzes brancas, porque queríamos uma coisa que fugisse do padrão do show-bizz, onde cada música tem sua cor. Quem dirigiu o show foi o Cláudio Torres (que é do mundo do cinema), o Leonardo Netto e eu. Quando o Cláudio ouviu o que queríamos, disse que era muito parecido com o que se usa no set de filmagens: paredes e tectos de luz, gruas, reflectores, trilhos. Incorporámos esses elementos num fundo de luz branca onde a única cor vem dos painéis eléctricos, que são lindos.
Acha que isso facilita a comunicação das canções com o público?
Com certeza. Tanto os arranjos como a concepção cénica de cada canção têm por objectivo potencializar o sentido das palavras cantadas e a comunicação com a plateia, de modo a que as pessoas se sintam mais próximas daquilo que vai sendo dito, se sintam mais envolvidas com a canção. De modo que a gente consiga tocar as pessoas.