"Joris chegou sempre antes dos outros"
Marceline Loridan, que foi a companheira do cineasta holandês Joris Ivens durante as últimas décadas da sua vida, esteve a semana passada no Porto. A também cineasta e sobrevivente de Auschwitz acompanhou a apresentação de algumas obras de Ivens no programa "O Som e a Fúria". Oportunidade para recolher o testemunho vivo sobre o modo como Loridan e o seu companheiro viveram a grande aventura do século XX.
Minúscula e meio perdida num emaranhado de cabelos ruivos, o cinzeiro a transbordar de Benson & Hedges fumados até ao fim, e uma cidade a rever títulos que o cinema quase esqueceu. Marceline Loridan, aliás Ivens, chegou ao Porto convidada pelo festival "Odisseia nas Imagens" para falar de si, mas sobretudo do controverso marido Joris Ivens, o documentarista holandês que calcorreou guerras, revoluções e países em transe numa altura em que ainda havia causas justas e o maniqueísmo, mesmo que cinematográfico, fazia sentido. Ou não. O PÚBLICO foi à procura da cineasta e da militante, da prisioneira de Auschwitz e da companheira de sempre, para descobrir uma septuagenária irrequieta à beira de cometer o maior pecado de uma vida inteira: experimentar a ficção.PÚBLICO - Veio a Portugal para acompanhar a projecção de duas obras-primas de Joris Ivens, "Terra de Espanha" (1937) e "400 Milhões" (1939), mas também para apresentar um dos filmes que realizou com ele a duas mãos, "Paralelo 17" (1967). Tanto tempo depois da rodagem, o mundo já não é com certeza o mesmo. Que sentido fazem estes filmes agora?MARCELINE LORIDAN - Serão sempre testemunhos históricos com uma missão: evitar que as referências se percam, num mundo que muda a cada passo e em que, de uma geração para a outra, as memórias se diluem. O caso de "Terra de Espanha" é exemplar, porque se trata de um dos raros filmes sobre a Guerra de Espanha efectivamente realizados na altura em que ela decorria e no próprio teatro das operações. Com um objectivo muito claro: mostrar a um mundo alheado que aquilo que se passava em Espanha era o esboço da Segunda Guerra Mundial. Desempenhou um papel importantíssimo na consciencialização da opinião pública americana, desde a antestreia na Casa Branca, para Franklin D. Roosevelt ver, até à exibição em 400 salas dos EUA. "400 Milhões" não teve tanta sorte na sua chamada de atenção para o drama da China, porque entretanto rebentou a guerra.