IndieLisboa Entre a ficção e o documentário
São mais duas ficções rodadas como se fossem documentários, a tónica desta edição do festival. Mas a vantagem vai claramente
para Longing
A competição oficial apresenta duas ficções rodadas como se fossem documentários. O modo como a ficção e o documentário se alimentam e influenciam mutuamente é a grande temática recorrente da edição 2006 do IndieLisboa. Isso volta a ser sublinhado pelos dois títulos apresentados hoje na Competição Oficial, que procuram construir uma espécie de meio termo entre os dois formatos: Snow, de Hakan Sahin, segunda entrada canadiana na secção competitiva, e Sehnsucht/Longing, de Valeska Grisebach, que fez parte da selecção alemã a concurso em Berlim 2006.
Entre os dois, a vantagem vai claramente para o filme de Valeska Grisebach, documentarista que aqui assina a sua primeira longa de ficção depois de um anterior ensaio em média-metragem. De toda a competição do Indie 2006, Longing é, a seguir ao magistral The Death of Mr. Lazarescu, de Cristi Puiu (a exibir sexta-feira), o filme de maior perfil, também por ser o único que esteve a concurso na selecção principal de um dos três grandes festivais de cinema. Aliás, a crítica presente em Berlim não hesitou em elogiar esta história de um triângulo amoroso de província entre um metalúrgico que dá por si apaixonado por duas mulheres e incapaz de escolher entre ambas, rodada com actores não profissionais e com uma paciente atenção aos detalhes quotidianos herdada da experiência da realizadora no documentário.
Só que é precisamente na descrição atenta do quotidiano familiar e social destas pequenas aldeiazinhas nos arrabaldes de Berlim, capturado com sensibilidade e atenção, que Longing se ganha. Muito mais do que no ficcional triângulo amoroso central, contado de forma excessivamente elíptica com actores que não têm experiência suficiente para traduzir correctamente os sobressaltos interiores das personagens.
A elipse é também o problema central de Snow, segunda longa-metragem do turco-canadiano Hakan Sahin, exercício Lynchiano ao som de Erik Satie sobre a folga de um trabalhador de uma estação petrolífera que vai à cidade mais próxima com o seu cão. Tudo decorre durante o solstício de inverno, o dia mais curto e a noite mais longa do ano, e oscila entre um registo documental da vida numa comunidade isolada e uma experiência narrativa em circuito fechado, ligada às alucinações que acabam por acontecer quando se vive num ambiente como este durante demasiado tempo.
Apesar de curto (apenas 70 minutos), Snow é enfurecedoramente oblíquo e abstruso, para já não falar do seu aspecto confrangedor de exercício confuso de fim de curso de escola de cinema, incapaz de evocar a poesia que Hakan Sahin pretendia.