Edgar Pêra no IndieLisboa "Não me dão dinheiro porque devem ter medo que eu faça uma coisa esquisita"
Edgar Pêra é primeiro Herói Independente português do festival IndieLisboa. Uma retrospectiva de 15 anos de filmes
"A sensação é do género beliscar-me para ver se estou vivo." É assim que, entre risos, Edgar Pêra, 46 anos, define a sua reacção à homenagem prestada pela 3.ª edição do IndieLisboa. O festival elegeu-o como um dos Heróis Independentes desta edição e dedica-lhe uma retrospectiva de 15 anos de filmes, entre curtas, médias e longas, iniciada hoje com a antestreia do seu mais recente trabalho, Movimentos Perpétuos - Cine-Tributo a Carlos Paredes (Fórum Lisboa, 21h30)."Estou reconhecido ao Indie, sobretudo por perceber que olharam atentamente para a minha obra, entusiasmaram-se com os meus trabalhos e insistiram em filmes que se calhar eu não exibiria", explica o cineasta, mais conhecido do público pelas suas duas longas-metragens de ficção, A Janela (Maryalva Mix) e o telefilme produzido pela SIC Oito Oito, ambos apresentados na retrospectiva, do que pelas suas múltiplas curtas e médias experimentais e documentais.
Muitas delas estão integradas nos cinco programas de curtas que serão exibidos na retrospectiva, que não abrangerá a totalidade da sua obra filmada. "Por opção minha e do Indie, de não passar tudo. O primeiro critério foi o número de sessões disponível. Depois, o critério não foi o mesmo para todos os filmes que ficaram de fora: uns achei que ainda podia mexer neles, outros não cabiam mesmo, as sessões tornavam-se demasiado longas. Tivemos que optar senão seria uma dor de barriga", diz a rir.
Barroco experimentalO "estilo Pêra" é reconhecível pelo barroquismo experimentalista da sua gramática visual, apoiada na manipulação audiovisual (misturando formatos, do super 8 ao vídeo digital passando pela película tradicional), mas o realizador não esconde que essa abordagem não fazia parte dos seus planos. "Quando saí da escola de cinema, a minha ideia era fazer ficção. Nessa altura lidava com bandas rock - o punk não estava longínquo, via-os a pegar nos instrumentos e eu também queria pegar no meu, a câmara. Tem a ver com esse espírito de independência, do-it-yourself, que a música tem. Mas a verdade é que só ao fim de 12 anos [de concursos] é que me deram dinheiro para A Janela, e depois nunca mais. Não sou o único que é posto à parte, e sei que alguns ficam à espera e estão durante quatro anos a debater méritos dos subsídios e dos júris... A minha linguagem nasceu dessa ostracização. Se calhar, se tivesse seguido o percurso inicialmente concebido, nunca teria desenvolvido a minha linguagem, portanto há que agradecer ao destino..."
Essa linguagem transforma a obra num constante work-in-progress - "para mim um filme não é para ser passivamente projectado, é para estar sempre em montagem. Faço um trabalho de filtragem, de revisionismo em relação ao meu trabalho. Posso remontá-lo, fazer outra coisa com ele..."
Cumplicidade com ParedesMas Pêra não tem ilusões que essa linguagem lhe tem também tolhido os movimentos. "A realidade é que para fazer ficção em Portugal é complicadíssimo convencer um produtor a investir num filme. As pessoas não me dão dinheiro porque devem ter medo que eu faça uma coisa esquisita. Ora, quando cheguei a 2001 e vi A Janela, O Homem-Teatro [documentário sobre o encenador e actor António Pedro] e Oito, Oito a estrear, tudo no mesmo ano, apercebi-me de que podia lidar com matéria ficcional linear com destreza", diz. "Mas tenho esbarrado naquela coisa chamada júris..."
Pêra está, no entanto, a ultimar Rio Turvo, adaptação de um conto de Aquilino Ribeiro filmado em regime de produção independente, sem subsídio. O que leva ao desabafo em tom sarcástico: "Não querendo retirar valor a esta homenagem, melhor seria volta e meia darem-me dinheiro para filmar."
Sobre Movimentos Perpétuos, que se estreia nas salas comerciais a 4 de Maio, confessa-se surpreendido pelas afinidades que encontrou com o músico, cujas declarações gravadas constituem o fio condutor do documentário. "Sinto-me pouco à vontade com ícones como o Carlos Paredes. Não por não gostar do trabalho deles - exactamente por gostar e achar que é uma armadilha prestar homenagens. Mas há ali muitas frases que subscrevo... Ele e os que falam dele levantam questões que afectam qualquer pessoa que tenha um percurso independente em Portugal - que conduz na maior parte das vezes a uma marginalização."