Doze mil tubos num concerto em Mafra

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O restauro dos órgãos prolongou-se por 11 anos Miguel Manso

Os seis órgãos da basílica voltam a tocar juntos. O seu restauro custou um milhão de euros

O complexo formado pelo Palácio e pelo Convento de Mafra não é só uma das construções arquitectónicas mais ambiciosas alguma vez construídas em Portugal. É também um lugar excepcional para a prática musical, constituindo um caso único no mundo pela existência de um conjunto de seis órgãos construídos simultaneamente e pensados como um todo. Após dois séculos de quase completo silêncio, os seis órgãos, cuidadosamente restaurados ao longo dos últimos 11 anos pelo organeiro Dinarte Machado, voltam a soar este fim-de-semana em dois concertos (amanhã, às 21h00, e no domingo, às 18h00) que prometem mostrar as potencialidades do conjunto através de peças compostas nos inícios dos século XIX que lhe foram destinadas.

Os seis órgãos têm um total de 12 mil tubos e o investimento da reabilitação foi de um milhão de euros, montante repartido entre o Ministério da Cultura (que atribuiu o trabalho total a Dinarte Machado em 1999) e o mecenato privado do Barclays Bank. "De todas as intervenções feitas no século XX esta foi a única que olhou para os seis órgãos ao mesmo tempo e que procurou reconstruí-los de acordo com o perfil original", diz o organista João Vaz, membro da comissão científica que acompanhou a reabilitação.

Os instrumentos que chegaram até aos nossos dias (três órgãos construídos por António Xavier Machado e Cerveira e outros três por Joaquim António Peres Fontanes) foram inaugurados entre 1806 e 1807, mas a maior parte das fontes históricas referem a existência ou a utilização de seis órgãos logo desde a Sagração da Basílica em 1730. Nessa altura tratava-se de órgãos positivos (três deles vindos de Roma), mas a ideia de vir a dotar a Basílica com seis instrumentos fazia parte dos planos de D. João V desde o início. Ao longo do século XVIII vários autores mencionam a existência de seis órgãos, mas a história dos instrumentos que antecederam o conjunto actual carece de maior investigação.

"Da pesquisa inicial que se realizou, foi muito importante perceber que Machado Cerveira fez uma intervenção nos instrumentos na terceira década do século XIX e que esta correspondia ao estado adulto dos instrumentos. Foi este o ponto de partida, as alterações posteriores foram ignoradas e não houve a tentativa de voltar ao estado original dos instrumentos de 1807, excepto no caso do Órgão de São Pedro de Alcântara", acrescenta João Vaz.

A história completa

O órgão de São Pedro de Alcântara - cada instrumento tem um nome associado à capela na qual foi instalado - tinha sido desmontado no século XIX e nunca mais tinha sido recuperado. A caixa encontrava-se vazia e as peças que formavam o seu recheio foram encontradas por Dinarte Machado nas caves do Palácio. "É um órgão do Fontanes e mostra de uma forma directa como eram os órgãos terminados em 1807. Emite uma sonoridade de uma grandeza extraordinária", diz Dinarte Machado. "Se não fosse esse instrumento não se teria encontrada a história completa, técnica e científica dos órgãos de Mafra. Pensava-se que o Cerveira e o Fontanes tinham trabalhado em cooperação órgão a órgão, mas não era possível combinar o estilo de construção de um e do outro. A confusão veio porque a reparação do século XIX foi feita apenas pelo Cerveira e pelos seus oficiais, misturando alguns elementos."

O órgão do lado da Epístola, na Capela Mor, tinha sido objecto de uma intervenção superficial nos anos 90 do século XX e o órgão do Evangelho tinha sido restaurado nos anos 50 pelos irmãos Sampaio, sem voltar a ter qualquer tipo de manutenção. Os restantes três estavam num estado total de abandono. Entre as maiores dificuldades do restauro Dinarte Machado refere o facto de os órgão estarem encrustados nas paredes e serem peças enormes e pesadas - bem como as infiltrações de água na Basílica que ocasionaram a avaria de um instrumento que já estava restaurado.

Se o projecto fosse pensado hoje, o organeiro teria pedido mais tempo de modo "a dar mais espaço à investigação" e a permitir que "todos os órgãos fossem apeados ao mesmo tempo a fim de fazer o trabalho em paralelo" e não por fases de um ou dois. Mas mostra-se satisfeito com o resultado e está ansioso pelos concertos deste fim-de-semana, os quais esgotaram rapidamente. "O instrumentos no conjunto são de uma grandeza e de uma energia extraordinárias. Nunca ouvi nada assim."

No concerto participam os organistas João Vaz, Rui Paiva, António Esteireiro, António Duarte, Sérgio Silva e Isabel Albergaria, bem como o Coral Lisboa Cantat, sob a direcção de Jorge Alves. Cada órgão vai ser mostrado individualmente com uma peça (incluindo páginas de Carlos Seixas, João José Baldi e Marcos Portugal) e tocarão em conjunto em duas obras de 1807. "Apresentamos uma Sinfonia de António Leal Moreira, que explora os efeitos cruzados entre os órgãos da Capela Mor e os órgãos dos transeptos, e também o Gloria da Missa para coro, solistas e seis órgãos, de João José Baldi", explicou João Vaz. "Fiz também um arranjo para coro e seis órgãos do hino Ave Maris Stella para demonstrar os efeitos acústicos que se podem criar entre os vários instrumentos." Quanto ao futuro, prevê-se que seja criado em Mafra um centro de actividades em torno dos órgãos, com concertos, pesquisa e organaria.

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