Bedeteca de Lisboa celebra 10.º aniversário em ambiente de crise
A braços com graves problemas orçamentais, poucos são os motivos para festejar. O futuro passa pela promoção da leitura através da BD
No dia 23 de Abril de 1996 a Bedeteca de Lisboa abria as portas no Palácio do Contador-Mor, nos Olivais. A filosofia de ponta de Nuno Saraiva e Júlio Pinto, os alfabetos de Mário Feliciano e as imagens de Fernanda Fragateiro fizeram a festa de inauguração. Nos meses e anos seguintes houve muito cinema de animação, debates, colóquios e lançamentos de edições, dando à banda desenhada uma visibilidade que nunca tinha registado antes.Já sem mencionar as exposições integradas nas várias edições do Salão Lisboa de Ilustração e BD, organizado a partir de 1998, dezenas de mostras passaram pelo Palácio do Contador-Mor. Entre elas, recordem-se as consagradas à obra de Dave McKean, Mattotti, Jijé e Prado, ou aos portugueses Carlos Botelho, Fernando Bento e Sérgio Luís, quase sempre servidas por excelentes catálogos.
Uma década depois, assinalada este fim-de-semana com um modesto programa de iniciativas (ver caixa), há poucas razões para celebrar. "A situação é muito complicada em termos orçamentais", admite Rosa Barreto, directora da bedeteca. "A nossa prioridade absoluta é pagar dívidas".
Os problemas financeiros não são um exclusivo da bedeteca. Os drásticos cortes orçamentais impostos ao pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa atingem também outros equipamentos da cidade, que foram obrigados a reduzir os horários de funcionamento. Depois do esforço feito para reabrir, em meados de Janeiro passado, a Biblioteca Municipal dos Olivais e a bedeteca - fechadas durante vários meses para obras de recuperação do edifício -, isso estava fora de questão, diz Rosa Barreto: "Os sábados são os nossos dias mais fortes em termos de afluência. Seria péssimo fechá-las depois de termos aberto."
A solução foi organizar o trabalho dos funcionários em turnos, com gozo de folgas durante a semana.
Formar novos leitoresRecuperar a dinâmica de exposições e edições, que foram a imagem de marca da bedeteca nos primeiros cinco anos de existência, é outra história. "Mesmo sem a mudança de equipa efectuada em 2002 [na sequência da demissão de João Paulo Cotrim, primeiro director], seria muito difícil manter aquele figurino. Não há dinheiro nem meios para manter as coisas naqueles termos", diz Rosa Barreto. A primeira "vítima" será a Ilustração Portuguesa 2006, que já não vai realizar-se nos termos habituais. "Em 2004, a exposição já foi feita no limite da nossa capacidade", admite a directora da bedeteca. "Este ano faremos a mostra apenas na net, em Outubro, apoiada por uma boa campanha de rua e de imprensa, além do catálogo".
O apoio à edição também terminou. Mas ainda há quem se dirija à Bedeteca de Lisboa com propostas de exposição. Foi o caso do artista plástico e ilustrador João Vaz de Carvalho, que teve as suas obras patentes ao público até ao passado dia 13. "Continuaremos a fazer exposições com a "prata da casa" e através de parcerias de baixo custo", admite Rosa Barreto.
Mas a directora da bedeteca já não tem dúvidas que agora "é preciso olhar para fora". Assim, a "aposta forte" é na promoção da leitura através da BD, em parceria com a rede de bibliotecas municipais, para o que conta com o acervo documental existente, devidamente trabalhado e catalogado. "Para ter leitores, eles têm que ser formados e a BD é um bom veículo para a promoção da leitura", sustenta Rosa Barreto, que acredita na possibilidade de serem estabelecidas parcerias com os Ministérios da Educação e da Cultura com essa finalidade.
A abertura da bedeteca, agora no piso térreo do palácio, numa área que anteriormente era de exposições, faz parte dessa estratégia que "quer tirar a banda desenhada do ghetto das secções infantis das bibliotecas".