"A polifonia portuguesa tem um carácter universal"
Owen Rees é professor na Universidade de Oxford e uma autoridade mundial no estudo e execução da música portuguesa dos séculos XV a XVII, autor de um livro sobre polifonia (música escrita para várias vozes) no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Com os A Capella Portuguesa, apresenta-se hoje no Festival de Música de Aveiro para um concerto único em que interpretam música portuguesa renascentista e que terá lugar na Igreja da Misericórdia pelas 21h30, com entrada livre. Fundado em 1989, este grupo tem sido responsável pela redescoberta do repertório originário da Península e pela sua internacionalização. Gravam em exclusivo para a etiqueta Hypérion e as gravações que dedicaram exclusivamente à música portuguesa receberam os melhores elogios da crítica internacional. Foi quando terminei o meu curso na Universidade de Cambridge. Durante uma investigação escolhi para tópico do meu doutoramento estudar os manuscritos do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Visitei Portugal pela primeira vez em 1988 para procurar as fontes para a minha pesquisa e vivi em Coimbra durante o ano seguinte onde comecei a transcrever e executar esses manuscritos. Sempre tive interesse pela música dos séculos XV a XVII e em particular por obras sacras. Tinha feito um mestrado sobre música inglesa desse período mas como intérprete a música da Península pareceu-me mais apelativa e um desafio maior uma vez que havia muito mais a explorar.Já havia estudos importantes feitos por portugueses como o livro sobre Santa Cruz de Ernesto Pinho, escritos de Santiago Kastner, Mário Sampayo Ribeiro, Manuel Joaquim ou Manuel Brito. Havia pois um ponto de partida sólido para fazer uma ideia sobre que tipo de material iria encontrar. É claro que quando se transcreve um manuscrito pela primeira vez e se encontra uma obra que vale a pena ser trabalhada, ou mesmo uma obra-prima como o Motete de Ayres Fernandes, é um trabalho compensador. O processo de transcrição e execução, com os coros Cambridge Taverner e os A Capella foi quase simultâneo e por isso muito excitante.A Biblioteca Geral em Coimbra foi um local inspirador e imprescindível onde fiz a maior parte do trabalho. É claro que nem todas as bibliotecas estão ao mesmo nível no que diz respeito aos catálogos. Em alguns casos um pouco arcaicos o investigador tem mesmo de fazer o inventário básico para poder prosseguir. Em locais como a Biblioteca Nacional esse trabalho já avançou muito, mas no geral ainda está muito atrasado.Há alguma particularidade que distinga a música portuguesa da dos outros países?É mais fácil fazer essa distinção por compositor do que por país. Pedro de Cristo é muito característico com uma extensão vocal limitada e estilo declamatório com ritmos curtos, Ayres Fernandes era muito flexível nas suas texturas e o seu estilo imitativo não era de todo previsível mas no geral a polifonia portuguesa tem um carácter universal.O que mais mudou foi a natureza do grupo que passou a ter um estatuto profissional ao fim de dois anos, o que se reflectiu num melhoramento da qualidade sonora. Em termos interpretativos, está-se sempre a procurar novas formas de entender textos que não são muito pródigos em indicações expressivas e nesse campo somos muito abertos a reavaliações. É comum ouvir gravações que fiz no passado e preferir agora tempos e dinâmicas diferentes, apesar de acreditar que pela consistência de escrita destes mestres é possível depreender as suas intenções expressivas.Em certos casos sim, como apresentar a música escrita para certas festividades na sua data e locais mais apropriados. Tento respeitar a tradição no que diz respeito à escolha de instrumentos ou a certa pronunciação do latim de acordo com o país de origem. Por vezes as diferenças são nítidas.De acordo com a época do ano vamos apresentar música da Quaresma e Semana Santa e algumas terão hoje a sua primeira interpretação desde o tempo em que foram escritas.