Desenhos da fauna e flora do Brasil exibidos em Lisboa
Cinquenta e quatro ilustrações científicas da fauna e flora do Brasil, feitas no século XVIII, estão em exposição, desde o fim da tarde de hoje e até 4 de Maio, na Biblioteca Nacional, em Lisboa. Na mostra, estão patentes alguns dos desenhos aguarelados feitos durante a expedição do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira à Amazónia e ao Norte do Brasil. O quati, a jararaca ou o jacaré são alguns dos animais que podem ser vistos.Alexandre Rodrigues Ferreira, naturalista baiano formado na Universidade de Coimbra, levou na sua Viagem Filosófica pelo Brasil, entre 1783 e 1792, dois desenhadores de história natural - José Joaquim Freire e Joaquim José Codina. O objectivo da expedição era a recolha de material para o Real Museu da Ajuda, em Lisboa. Aos dois desenhadores cabia a tarefa de passar para o papel, no próprio local, a fauna e a flora observada. Ambos pertenciam a uma escola de ilustração científica em Lisboa - a Casa do Risco do Real Jardim Botânico do Palácio da Ajuda, em que oito ou nove ilustradores também desenhavam plantas e animais trazidos do Brasil. José Joaquim Freire e Joaquim José Codina foram responsáveis pela produção de um vasto acervo, que hoje se encontra disperso por Portugal e pelo Brasil. É assim que acaba por dar entrada no século XIX, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, uma colecção de 68 desenhos aguarelados de animais e plantas, com legendas em português. Representam espécies exóticas de plantas, árvores, aves, répteis, peixes e mamíferos. Por exemplo, lá estão o ouriço-cacheiro, o quati, o macaco-barrigudo, a capivara, a centopeia ou a jararaca. Ou, do fabuloso mundo das plantas, o gengibre, o quiabo, a papaia, a cana-de-açúcar, a mamona ou a goiaba.Os desenhos já estiveram em exposição na Biblioteca Pública Municipal do Porto, em 2000, e agora parte desse espólio - 54 desenhos - pode ser apreciado na exposição "Zoologia e Botânica do Brasil - Desenhos de História Natural", em várias vitrinas da Biblioteca Nacional. Têm tamanhos variados, mas a maioria anda pelos 50 centímetros de comprimento por 35 de altura.Provenientes da colecção pessoal do segundo visconde de Balsemão, a autoria dos desenhos era anónima. Mas, em 1963, a autoria foi atribuída ao arquitecto bolonhês António José Landi. Isto pelo facto de ter dado entrada na Biblioteca Pública Municipal do Porto um manuscrito em italiano da autoria de António José Landi, também proveniente da colecção do segundo visconde de Balsemão. Pela comparação da grafia do manuscrito e das legendas dos desenhos, o estudioso brasileiro Leandro Tocantins disse que eram do arquitecto bolonhês, que executou outros desenhos.Porém, Isabel Mendonça, do Museu de História Natural da Faculdade de Ciências do Porto, não concorda com essa atribuição, pelo que se lê no texto que escreveu para o catálogo da exposição de 2000: "A associação com o manuscrito de Landi não tem qualquer fundamento: nem a grafia utilizada é a mesma - bastando uma simples comparação visual para o comprovar -, nem os desenhos que inicialmente o acompanharam, e que são numerados e descritos, correspondem às aguarelas, também numeradas, do arquivo do Porto."Mesmo que à luz dos conhecimentos actuais o trabalho de José Joaquim Freire e Joaquim José Codina apresente limitações científicas, não deixa de ser importante, até para a própria história da ciência. Há quem considere, como o biólogo e ilustrador português Pedro Salgado, que ambos fizeram um trabalho notável, lamentando que muitos desenhos se tenham perdido. Mas também há quem mencione, como Isabel Mendonça, referindo-se à colecção da Biblioteca Pública Municipal do Porto, as limitações dos desenhos: "Revelando inegáveis dotes de observação, estes desenhos são do ponto de vista artístico bastante irregulares. A representação dos animais é muito deficiente, sobretudo daqueles que são figurados em movimento (...). As aguarelas das plantas são, pelo contrário, muito bem conseguidas."Mas a Biblioteca Pública Municipal do Porto não é o único local, em Portugal, com espólio de Joaquim Freire e Joaquim José Codina. A secção de zoologia do Museu Nacional de História Natural, da Universidade de Lisboa, guarda algumas obras dos dois desenhadores, que contribuíram para o período áureo da ilustração científica em Portugal, no fim do século XVIII. "Tínhamos pessoas no activo, em viagens, e a cair como moscas - a morrer com febre, com mordeduras de serpentes... Era uma época bastante épica", disse Pedro Salgado (ver "A Ciência em desenho", PÚBLICO de 30/07/2000). "Na Europa não havia café, milho, tabaco, chá ou batatas. Como é que se reconhecia o que vinha de fora? Através de descrições e desenhos. Tudo o que se fazia em ilustração científica era para deleite dos reis e nobres."