Henrique Leitão, Prémio Pessoa 2014, pôs a história da ciência no pódio

Formado em física, é uma das figuras mais importantes na modernização da história da ciência de Portugal e a “personalidade em torno da qual se constitui uma escola de pensamento”, diz o júri do prémio.

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Henrique Leitão NUNO FERREIRA SANTOS

Henrique Leitão é investigador principal no Centro Interuniversitário da História das Ciências e Tecnologia e docente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. O trabalho que tem feito não parou na historiografia, passou pela publicação de livros de figuras científicas históricas, pela organização de exposições e pela ajuda na criação de um centro de investigação que está a formar a próxima geração de historiadores de ciência.

Este percurso assenta numa tentativa de mudar a forma como se olha para o passado científico de Portugal. “A questão científica incide muito intensamente na maneira como olhamos para nós próprios. A ciência está sempre ligada à ideia de sermos modernos. Se não se corrigir o discurso da história científica portuguesa, ficamos com uma ideia equivocada de nós próprios e acabamos por influenciar o presente”, defende.

Por tudo isto e tendo em conta o trabalho de “reconstrução histórico-científica do legado científico português e peninsular para a modernidade, Henrique Leitão tem sido a personalidade em torno da qual se constituiu uma escola de pensamento neste domínio científico”, disse o júri presidido por Francisco Pinto Balsemão. O prémio é uma iniciativa do jornal Expresso com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos.

À procura do saber
Nascido em Lisboa, em 1964, Henrique Leitão sempre se interessou por ciência. Em 1987, terminou a licenciatura em física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e em 1998 concluiu ali o doutoramento em física da matéria condensada.

Apesar de sempre se ter interessado por história da ciência, só após o doutoramento é que aprofundou o tema. Mas rapidamente identificou o seu nicho. “O passado científico português é o que me interessa mais”, admite. “Há uma disparidade enorme entre o que os manuais diziam sobre a história científica portuguesa e o que eu ia encontrando nos arquivos.”

Mas para aprofundar este problema, o investigador sentiu que precisava de novas competências. “É preciso uma formação muito exigente em metodologia de história, história das culturas, línguas, filosofias”, explica o cientista, além do conhecimento científico de física e matemática. Por isso, decidiu frequentar cadeiras universitárias de latim, história e filosofia.

Em 2002, já era historiador de ciência a tempo inteiro, e foi ganhando um novo olhar sobre o passado português. “A imagem que se forma é de um passado científico muito mais rico e interessante do que se conhecia. É preciso evitar os exageros”, sublinha, explicando que de facto não houve génios portugueses na ciência como Galileu Galilei ou Isaac Newton, mas o discurso miserabilista também está errado. “A história de Portugal é muito específica e é intermédia.”

Desde então, coordenou a publicação das obras do famoso matemático e cosmógrafo português Pedro Nunes, que viveu no século XVI e inventou o nónio, um aparelho de alta precisão para medir a posição dos navios durante a navegação. E estudou as actividades científicas do Colégio de Santo Antão, que esteve activo em Lisboa durante 170 anos, entre finais do século XVI e meados do século XVIII, e que foi um importante bastião do ensino de disciplinas como matemática e engenharia.

Mais recentemente, em 2012, estudou e ajudou a traduzir o manuscrito original do matemático português Francisco de Melo: “O manuscrito é importante porque mostra a matemática de alto nível de um português no início do século XVI”, explicava nessa altura ao PÚBLICO Henrique Leitão.

Nos últimos anos foi comissário científico de quatro exposições sobre história da ciência na Biblioteca Nacional e em 2013 ajudou a organizar a exposição 360º Ciência Descoberta na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. “Não se pode compreender o surgimento da ciência moderna sem compreender o que se passou [antes] em Portugal e Espanha. Esta exposição aparece no momento em que a historiografia internacional reconhece a importância da ciência ibérica de uma maneira que não reconhecia há 50 anos”, referiu então.

Para o júri do prémio, essa exposição “teve um grande destaque pela projecção nacional e internacional” e deu a “conhecer ao grande público a importância crítica que a Península Ibérica teve para o desenvolvimento científico e o progresso civilizacional”.

Um estudo publicado em 2014 pelo historiador sobre a “projecção de Mercator”, um método de representação do globo terrestre num mapa plano, criado no século XVI pelo matemático e cartógrafo Gerardus Mercator, da Flandres, que teve um grande impacto na cartografia da época, também foram reconhecidos agora.   

Na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Henrique Leitão ajudou a fundar o centro de investigação onde trabalha e que conta com “pós-doutorados a trabalhar em questões de história da ciência portuguesa de vários países, um suíço, um alemão, uma italiana e um espanhol”, descreve.

Integra também o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, um órgão criado para aconselhar o Governo em questões de ciência.

Em 2013, foi eleito para a Academia Internacional de História das Ciências, uma distinção que já não era atribuída a um historiador português há mais de meio século. “Nos últimos dez a 15 anos tive a oportunidade de fazer imensa coisa, mas porque contei com a ajuda de excelentes investigadores que existem em Portugal.”    

Incentivo para continuar
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, elogiou nesta sexta-feira num comunicado as perspectivas inovadoras sobre os Descobrimentos portugueses que Henrique Leitão tem revelado: “Este prémio vem galardoar não apenas uma carreira de excepção, como incentivar trabalhos futuros que serão um marco na história da ciência em Portugal.”

O físico Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, defendeu que esta é uma “atribuição merecidíssima”, não só pela importância e qualidade científica do trabalho mas também por Henrique Leitão ser um  “excelente divulgador da história da ciência”, escreveu nesta sexta-feira no blogue De Rerum Natura. E interpreta esta escolha também como uma crítica à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que põe em prática as políticas de financiamento público da ciência: “A FCT, que tem desprezado quase por completo a história da ciência, recebe com a atribuição deste prémio uma crítica severa.”

Sobre o actual estado da ciência portuguesa, que neste ano provocou uma chuva de críticas ao Governo e à FCT, Henrique Leitão enquadra-a no actual contexto económico. “Não há maneira de isolar a situação da ciência da situação do país. Mas não sou um interlocutor político directo. O meu desafio é a constituição de um grupo de investigação do mais alto nível possível,” defende. “Interpreto o Prémio Pessoa como o reconhecimento do que fui fazendo, mas também como um incentivo para o que quero continuar a fazer.”     

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