E Portugal disse "sim" ao próximo grande telescópio da Europa
Como a paisagem à sua volta no deserto de Atacama, o monte Armazones, no Chile, está despido de vegetação. É neste ambiente castanho-avermelhado, árido, de baixíssima humidade, perfeito para a astronomia, que ficará a casa de um telescópio com um único espelho principal de 40 metros de diâmetro. Nunca se fez nada assim.
Em termos monetários, o que implica a entrada do país neste telescópio é o aumento da sua contribuição, durante uma década, para o Observatório Europeu do Sul (ESO), uma organização intergovernamental europeia com 14 países-membros. Portugal entrou em 2000 como membro de pleno direito neste clube de astronomia, decisão que foi ratificada pela Assembleia da República em 2001 - e agora a grande expectativa é que o Brasil também dê esse passo, tornando-se o primeiro país fora da Europa a fazê-lo, em boa parte por causa do E-ELT. Ou melhor, dos 1083 milhões de euros (a preços de 2012) que custará a construção deste telescópio, esperando-se que só o Brasil contribua com qualquer coisa como 30% do dinheiro do projecto.
A construção do telescópio implica que as quotas anuais dos países aumentam 2% ao ano, de forma cumulativa durante dez anos (em 2012, a quota de Portugal, indexada ao produto interno bruto, foi de 1,8 milhões, representando cerca de 1% do orçamento do ESO). "A contribuição adicional de Portugal para o E-ELT está estimada num total de 5,1 milhões de euros durante os dez anos que demorará a construção", refere um comunicado do ESO que anuncia a entrada do país no telescópio. Mas as novas prestações não vão começar já, segundo o plano de pagamento negociado entre o ESO e o Governo português.
"Estou encantado por ser dado outro passo que tornará realidade o projecto E-ELT", refere o director-geral, Tim de Zeeuw, no comunicado. "Com esta decisão importante do ministro [da Educação e Ciência] Nuno Crato, Portugal junta-se à lista dos países-membros que vão liderar o avanço da astronomia a partir do solo nas próximas décadas. Esta decisão irá beneficiar significativamente os astrónomos, construtores de instrumentos e indústria portugueses."
O mesmo aspecto é sublinhado por Nuno Crato, por escrito ao PÚBLICO: "Os nossos cientistas poderão participar na investigação proporcionada por este telescópio. E a nossa indústria tem aqui o desafio de tirar contrapartidas desta participação. Temos empresas a produzir alta tecnologia que têm colaborado com o ESO e que já estão a trabalhar em componentes para o E-ELT."
Teresa Lago, da Universidade do Porto e representante de Portugal no Conselho do ESO, o órgão governativo da organização, diz-se satisfeita com este desfecho: "É com muito agrado que vemos a manutenção de Portugal como pleno membro em todos os projectos do ESO, em particular no que vai ser o maior telescópio óptico do mundo e que vai marcar o lugar da Europa na astronomia mundial. É de facto o lugar da frente, não há competidores para o E-ELT", frisa a astrofísica portuguesa, acrescentando que, "se não fôssemos parceiros do E-ELT, as empresas portuguesas ficariam de fora dos concursos [para a sua construção e fornecimentos diversos], que vão ser abertos ainda este ano".
"O ESO não tem de facto rivais a nível mundial neste momento. Tem parceiros no ALMA [o maior radiotelescópio do mundo, também no deserto chileno de Atacama, construído em conjunto com os Estados Unidos, o Canadá, Japão e Taiwan], mas nenhuma outra organização rivaliza com a sua afirmação no desenvolvimento da astronomia", acrescenta Teresa Lago.
Independentemente da participação do Brasil, está assente que a construção do E-ELT vai para a frente, uma decisão já aprovada por um número mínimo de países do ESO necessário para tal, em Dezembro de 2012. Falta agora saber se o único país-membro desta organização de astronomia que ainda não deu o aval formal ao telescópio, a Espanha, também embarca no projecto - além do Brasil, que, se optar por ficar de fora, dará aos caminhos do E-ELT mais algumas voltas.
Só quando Brasília tomar uma decisão sobre a adesão ao ESO, já aprovada pela Presidente Dilma Rousseff mas à espera da palavra final do Congresso brasileiro, o orçamento do E-ELT poderá ficar definido. Quanto à sua construção propriamente dita, apenas arrancará quando 90% do dinheiro estiver garantido.
Em Junho, o Conselho do ESO discutirá os dois caminhos alternativos do telescópio, com e sem o Brasil, e como isso poderá afectar o calendário do seu desenvolvimento, refere Teresa Lago. "Esperemos que vença o caminho com o Brasil."
Para já, a astrofísica deixa um desafio à comunidade portuguesa de astrónomos e de outras áreas científicas e tecnológicas, como a informática: "Estarem atentos e mobilizarem-se para tirar proveito de uma oportunidade única no desenvolvimento do maior telescópio óptico à superfície da Terra."
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