Ratos domésticos chegaram à Madeira 400 anos antes dos portugueses
Estudo espanhol sugere que os primeiros humanos podem ter chegado à Madeira no século XI, quatro séculos antes da sua descoberta pelos portugueses. Terão os vikings sido os primeiros a visitar a ilha?
O estudo, liderado pelo Centro Superior de Investigações Científicas (CSIC) espanhol, indica que a datação por radiocarbono de ossos do rato doméstico (Mus musculus) encontrados na Ponta de São Lourenço sugere que estes animais chegaram à ilha ainda antes de 1036. Os ratos teriam sido levados a bordo de um navio, segundo o estudo publicado na revista britânica Proceedings of the Royal Society B.
Até agora, as investigações sugeriam que a chegada dos humanos à Macaronésia (as ilhas dos Açores, da Madeira, Canárias e Cabo Verde) teria ocorrido em dois períodos sucessivos: uma chegada limitada às Canárias, há dois milénios; e outra chegada a partir do século XIV, com a colonização de todos as ilhas macaronésias. No caso da ilha da Madeira, essa chegada ter-se-á dado em 1420, ano da sua descoberta (ou redescoberta) por Tristão Vaz Teixeira e João Gonçalves Zarco, que no ano anterior já teriam chegado à ilha de Porto Santo. A colonização da ilha da Madeira começou a partir de 1425.
Agora, a equipa do CSIC, composta por cientistas alemães e espanhóis, analisou ossos antigos de ratos domésticos encontradas na Ponta de São Lourenço, descobertos em 2010 e 2011. Ainda que não tenha sido possível datar os primeiros ossos descobertos, porque a amostra era pequena de mais, nos segundos ossos os resultados da datação indicaram que os ratos morreram num período compreendido entre o ano 903 d.C. e o ano 1036 d.C., sendo assim o testemunho mais antigo da presença de ratos domésticos na ilha.
Estes resultados, lê-se no artigo científico, “sugerem que os humanos podem ter chegado à Madeira antes de 1036 d.C., o que é cerca de quatro séculos antes de Portugal ter tomado oficialmente posse da ilha”.
Além da datação, dados genéticos também apontam no mesmo sentido, em particular o ADN das mitocôndrias, as chamadas “baterias das células” e cujo material genético é transmitido apenas pela mãe. “O ADN mitocondrial das actuais populações de ratos domésticos da Madeira tem mais semelhanças com o das [populações de ratos domésticos] da Escandinávia e do Norte da Alemanha, mas não com o das de Portugal”, refere um comunicado de imprensa do CSIC.
Se se juntar esta informação genética com a datação por radiocarbono da segunda amostra de ossos antigos do rato doméstico, uma hipótese parece ganhar força: “A segunda amostra analisada permite pensar que foram os vikings que levaram o rato doméstico para a ilha. No entanto, esta conclusão deve ser confirmada com novos estudos morfológicos e genéticos dos fósseis da Ponta de São Lourenço, já que até agora não há referências históricas de viagens de vikings para a Macaronésia”, explica um dos autores do estudo citado no comunicado de imprensa, Josep Antoni Alcover, do Instituto Mediterrâneo de Estudos Avançados, pertencente ao CSIC e à Universidade das Ilhas Baleares.
A hipótese dos vikings
Ora, o período compreendido entre os anos 903 e 1036 está dentro da Era Viking, entre os séculos VIII e XI, e há relatos de que os vikings levavam ratos domésticos para os sítios onde iam, refere ainda o artigo científico. “Todos estes dados sugerem, mas não provam, uma relação entre as viagens dos vikings e a presença de Mus na Madeira”, lê-se.
Seja como for, pensa-se que a chegada dos ratos domésticos à Madeira teve impactos ecológicos importantes, senão mesmo catastróficos. Uma vez estabelecidos na ilha, começaram a reproduzir-se e a atingir grande densidade, principalmente na ausência de ratazanas, que limitariam o seu número.
“A sua actividade predadora ter-se-ia centrado em ovos e crias de aves pequenas e de tamanho médio, como as codornizes e galinhas-de-água”, refere o comunicado, acrescentando que o registo fóssil do Holoceno, época geológica iniciada há cerca de 11 mil anos e que se estende até à actualidade, indica que pelo menos dois terços das aves nativas (endémicas) da ilha se extinguiram. Ou seja, os efeitos dos humanos na ilha começaram a fazer-se sentir muito antes da sua própria instalação, no século XV.
“A introdução dos ratos resultou provavelmente numa catástrofe ecológica, com a extinção de aves endémicas e a modificação da ecologia da ilha 400 anos antes do que se pensava até agora”, sublinha Josep Antoni Alcover.
Em contrapartida, os ratos tornaram-se mais uma fonte de alimento para as corujas – e estas, no equilíbrio sempre periclitante da natureza, passaram a prosperar quando os ratos domésticos assentaram arraiais na Madeira.