O aperitivo à italiana: no país da dolce vita, um shaker social

É uma cerimónia social sincrética que remistura tempos e sabores, pessoas e hábitos, modas e modos. É uma metáfora do nosso presente em rápida transformação, um símbolo antecipador do nosso futuro.

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Hora do aperitivo em Veneza, aqui por sinal Aperol spritz REUTERS/Manuel Silvestri
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O aperitivo à italiana é o novo timer dos tempos livres. Um relógio pós-moderno que alonga os dias e transforma o fim do trabalho num pôr-do-sol vermelho spritz. Produzindo uma inédita medida do tempo individual e social, uma reforma do calendário quotidiano. E introduzindo nele cadências e liturgias coletivas que encarnam o espírito do presente. Modular, flexível, temporário. Mas também livre de inventar traduções de fusão, cerimoniais da vida em conjunto compostos por pedaços de passado e retalhos de futuro.

O aperitivo longo é um rito que une tipologias sociais afluentes. Fazendo aflorar usos e costumes de cada uma. E também novas categorias do pensamento, tais como as do lounge, que significa um pouco de tudo, da sala a um tipo de música, da perda de tempo ao relax. Um verdadeiro auxiliar da linguagem global.

Os solteiros, de raiz ou de retorno, encontram nele um espaço de relação e uma oportunidade de encontro subtraídos à pressa do aperitivo morde-e-foge como aos formalismos demasiado exigentes e dispendiosos do jantar. O povo da noite, que desde sempre confunde os tempos e as horas, faz dele uma plataforma euforizante da qual pode atirar-se de cabeça na movida. E os casais jovens com filhos transformam o street bar num oásis que exonera, onde podem voltar a saborear um viver easy e despreocupado, quase uma forma de suspensão extraterritorial das responsabilidades.

O rito do aperitivo, filho do low cost e do last minute, unifica funções, otimiza tempos, reduzindo ao mínimo a formalidade. Em suma, funciona como um acelerador de partículas relacionais capazes de libertar energias inesperadas. Um shaker social que agita rios de adrenalina a preços de saldo.

Cerimonial saborosamente pós-moderno, o aperitivo que sacia não tem nada a ver com uma grande narração alimentar como o jantar. É antes um frufru de tweets a beber, comer, trocar. Um conjunto de minicontos por escritores estreantes. Vidas com guião. Mais community do que comunidade. Aperitivo já não, jantar ainda não.

O aperitivo é em suma a transição num copo, aliás dois, pelo preço de um. Mas por outro lado é muito mais do que uma nova forma de viver o bar. É uma cerimónia social sincrética que remistura tempos e sabores, pessoas e hábitos, modas e modos. E é uma metáfora do nosso presente em rápida transformação, bem como um símbolo antecipador do nosso futuro. Tempos e hábitos que inovam também os espaços sociais. Os locais em formato street bar são neste sentido a projeção arquitetónica da vida urbana. Margens porosas, doravante sem fronteira entre interior e exterior, entre público e privado.

E assim o rito da happy hour sai ao ar livre e torna-se paisagem urbana. Fazendo nascer novos espaços públicos de contratendência perante a implosão doméstica, o recolhimento no privado que caraterizam a modernidade líquida. Se no país da Dolce vita a estrada torna-se um bar difuso, cria-se de facto um sítio coletivo inédito. Virtual sem ser imaterial, uma área open source, que favorece a interconexão entre humanidade de banda larga. Desta forma, a internet sai do ecrã e vira forma de vida. E o link vira drink.


Um texto escrito no âmbito da Semana da Cozinha Italiana em Portugal, de 16 a 22 de Novembro
Tradução: Paola D’Agostino / Embaixada de Itália (mantém-se o acordo ortográfico, tal como no original da tradutora)

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