Arrendamento forçado avança, mas só em casos “excepcionais”

Apesar das dúvidas de constitucionalidade, o novo regime do arrendamento forçado de imóveis devolutos acabou por ser aprovado, em sede de especialidade, no Parlamento.

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Nuno Ferreira Santos
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O novo regime do arrendamento forçado de imóveis devolutos vai avançar. O grupo de trabalho criado na Assembleia da República para tratar matérias de habitação, onde está a ser votado em sede de especialidade o pacote Mais Habitação, acaba de aprovar este regime, que, por proposta de alteração do grupo parlamentar do Partido Socialista (PS), só poderá ser utilizado pelas câmaras municipais a título “excepcional”. Ao mesmo tempo, é criado um “dever de utilização” dos imóveis.

Esta era uma das medidas do pacote legislativo que o Governo lançou em Fevereiro para dar resposta à crise habitacional que gerou maior contestação, tendo mesmo suscitado dúvidas quanto à constitucionalidade das normas aqui propostas, já que poderá estar em causa uma violação do direito de propriedade previsto na Constituição.

Contudo, tanto o Governo como o grupo parlamentar dos socialistas mantiveram a proposta praticamente inalterada em relação à versão inicial que foi apresentada, introduzindo apenas algumas alterações de detalhe, e o regime acabou mesmo por ser aprovado nesta quinta-feira, com os votos favoráveis dos socialistas, PCP e Bloco de Esquerda, os votos contra do PSD e Iniciativa Liberal (o Chega não estava presente na votação). Falta, ainda, a votação global final do conjunto do programa Mais Habitação, que deverá acontecer a 19 de Julho, em plenário, no Parlamento.

Assim, quando a nova lei entrar em vigor, os apartamentos de uso habitacional que tenham sido considerados devolutos pelas respectivas câmaras municipais há mais de dois anos, e que se encontrem fora dos territórios do interior do país, poderão ser abrangidos pelo regime do arrendamento forçado. Para isso, há vários passos que terão de ser cumpridos.

Terminado aquele prazo de dois anos, o município que queira fazer uso deste novo regime terá de notificar o proprietário do imóvel devoluto sobre o seu dever de conservação do apartamento em causa, ou do seu dever de lhe dar uso.

Ao mesmo tempo, o município poderá, se assim o quiser, apresentar uma proposta de arrendamento ao proprietário, com um valor de renda que não poderá superar, em mais de 30%, os valores de renda máxima que estão estabelecidos, para cada tipologia de casa e cada município, no programa de arrendamento acessível.

Se o proprietário recusar esta proposta ou se não se pronunciar no prazo de 90 dias, e se o imóvel se mantiver devoluto durante esse prazo, os municípios poderão, então, proceder ao arrendamento forçado do imóvel. Essa opção, contudo, só poderá ocorrer “sempre que se revele necessário para garantir a função social da habitação” e de forma “excepcional e supletiva”, tal como ficou estabelecido numa proposta de alteração do PS que também foi aprovada.

Se os municípios não quiserem avançar para o arrendamento forçado do imóvel em causa, e se aquele não precisar de obras de conservação, terão de enviar a informação disponível ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), para que este possa, se quiser, avançar para o arrendamento forçado.

Contudo, ao contrário do que estava previsto, e novamente graças a uma proposta de alteração do PS, os municípios que optem por não avançar com o arrendamento forçado dos imóveis devolutos não serão penalizados e poderão continuar a aplicar taxas agravadas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) sobre esses apartamentos. A proposta inicial do Governo previa que, caso não avançassem com o arrendamento forçado, os municípios ficariam impedidos de aplicar taxas agravadas de IMI sobre os imóveis em causa.

Dever de utilização

Para além do novo regime do arrendamento forçado, os socialistas introduziram, ainda, um novo artigo ao regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), que vem estabelecer o “dever de utilização” dos imóveis habitacionais, procurando evitar, desta forma, a existência de devolutos.

“As edificações devem ser objecto de fiscalização periódica quanto às condições de habitabilidade, por parte da respectiva câmara municipal”, a qual pode, “oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a fiscalização sobre as condições de utilização do imóvel”, pode ler-se na proposta do PS, que também foi aprovada.

No âmbito dessa fiscalização, serão ainda identificadas as “condições de habitabilidade que constituam situações irregulares de arrendamento ou subarrendamento habitacional”. Sendo identificadas irregularidades, a câmara municipal “intima o proprietário para a reposição da utilização” do imóvel “nos termos autorizados”.

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