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A interrogação é “o que estará na origem desta maior dedicação ao estudo dos jovens do Norte e do elevado nível de conhecimentos que a generalidade dos alunos consegue atingir?”

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Que os rankings não espelham todas as condicionantes que impulsionaram um dado indivíduo, um dado grupo, uma dada equipa, um dado país a ocupar o lugar que ocupa, é algo que ninguém põe em causa. Portugal está muito bem nos rankings do futebol e da produção de cortiça, mas muito dificilmente conseguirá uma posição de topo no basquetebol ou na produção de café, por exemplo.

Sempre que sai um ranking, há debate: X está em 1.º porque tem estas e aquelas vantagens (dizem uns); sim, mas Y também tem essas mesmas vantagens e está a meio da tabela (dizem outros). Será que há outros fatores que explicam o sucesso de X?

São os debates, as interrogações, a centralidade do tema no alinhamento jornalístico, os contributos, indiscutivelmente, positivos dos rankings.

De tudo, gosto das interrogações! E ainda mais hoje em dia, em que posso tentar descobrir respostas insinuando-me pelos trilhos, cada vez mais acessíveis e sinalizados, das florestas de dados.

Quando saem os rankings das escolas, as “interrogações” são imensíssimas e, a cada ano que passa, as equipas jornalísticas acrescentam mais alguma informação de contexto, para que o leitor consiga avaliar se a posição em que aquela escola se encontra é a expectável ou se está, claramente, acima ou abaixo.

Há uma interrogação que, a meu ver, tem vindo pouco a debate e, para a qual, começo por trazer aqui alguns números:

  • a taxa de conclusão do 12.º ano na região Norte é superior a 90%, enquanto no resto país pouco ultrapassa os 80%;
  • tem sido sistemática, nos últimos anos, a presença de três ou quatro escolas da região Norte no “top 5” dos rankings do ensino secundário.

A interrogação é “o que estará na origem desta maior dedicação ao estudo dos jovens do Norte e do elevado nível de conhecimentos que a generalidade dos alunos consegue atingir?” Pode ser apenas uma questão cultural e de hábitos de trabalho, mas há outros dados que apontam para um motivo mais pragmático: entrar numa das vagas disponíveis na região e não ter de se deslocar, com todos os custos, principalmente financeiros, que tal acarreta. O que acontece é que temos aqui a lei da oferta e da procura a impor os seus efeitos de forma desequilibrada quando se analisa regionalmente.

Mas vamos aos números: na última década, as vagas de acesso ao ensino universitário público (que é aquele que as famílias percecionam como dando mais vantagens em termos de custo e benefício) têm sido equivalentes a cerca de 31% do total de recém-diplomados com o ensino secundário. Isto ao nível nacional, que, por região, é grande a disparidade — 47% na Área Metropolitana de Lisboa (AML) e inferior a 27% em todas as restantes regiões (em 2019).

Em números absolutos, o impacto tem sido maior na região Norte porque é aquela com mais diplomados. Seriam necessárias mais 1500 vagas nas universidades públicas da região Norte para equilibrar a distribuição. O “gargalo” é de tal maneira estreito que os alunos, famílias, escolas, toda a comunidade, se focam no objetivo de ter os melhores resultados possíveis nas médias finais e nos exames. Dirão que a pressão é positiva! Concordo! Mas o desequilíbrio regional não é nada positivo: há efeitos colaterais, como o da inflação das notas, a procura de respostas no ensino privado e nas explicações e todo o esforço financeiro acrescido que pesa sobre as famílias do Norte.

Os últimos dados disponíveis no site da DGEEC (2021/22) mostram que há uma reaproximação (as vagas na AML passaram a representar 42% dos recém-diplomados da região e, no Norte, passaram a representar 28% [1]). Curioso é que, no início dos anos 90, a distribuição estava bastante bem calibrada. As vagas eram, proporcionalmente, menos, mas equivaliam a cerca de 20% dos recém-diplomados com ensino secundário em todas as regiões, à exceção da Região Autónoma da Madeira (11%).

Ano a ano, foi-se aumentando o número de vagas a partir dessa base calibrada, mas a repartição pelo território não acompanhou o acentuado crescimento das taxas de escolarização da região Norte nas últimas duas décadas. Entre 2004 e 2021, a região partiu da pior taxa de escolarização com ensino secundário no continente (63%) para a melhor (92%) e os sinais da pressão estão aí!

[1] Para este cálculo, metade das vagas da Universidade de Aveiro foram alocadas à região Norte.

A autora escreve segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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