Crise climática pode tornar incêndios na Califórnia 80% mais prováveis até 2100

As alterações climáticas causadas pelos humanos tornaram os trágicos incêndios florestais de Los Angeles 35% mais prováveis. Com aquecimento de 2,6°C, que se prevê até 2100, serão 80% mais prováveis.

A firefighter battles the Hughes Fire near Castaic Lake, north of Santa Clarita, California, U.S. January 22, 2025. REUTERS/Ringo Chiu
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Bombeiro combate o incêndio perto de Castaic Lake, a norte de Santa Clarita, Califórnia, EUA, a 22 de Janeiro de 2025 REUTERS/Ringo Chiu
FILE PHOTO: The charred remains of a trailer park along the beach are pictured, following the Palisades Fire at the Pacific Palisades neighborhood in Los Angeles, California, U.S. January 15, 2025. REUTERS/Mike Blake/File Photo
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Restos carbonizados de um parque de caravanas, após o incêndio no bairro de Pacific Palisades em Los Angeles, Califórnia REUTERS/Mike Blake
An aerial view of the fire damage caused by the Palisades Fire is shown in the Pacific Palisades, California, U.S. January 22, 2025. REUTERS/Mike Blake
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Vista aérea dos danos causados pelo incêndio de Palisades, Califórnia, EUA, em 22 de Janeiro de 2025 REUTERS/Mike Blake
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Menos chuva, vegetação seca e os fortes ventos de Santa Ana formaram a “tempestade perfeita” para a invulgar devastação dos fogos na Califórnia, no início de Janeiro. Agora, um estudo da World Weather Attribution (WWA), divulgado nesta terça-feira, analisou a influência das alterações climáticas nos fogos que devastaram a região Sul do estado norte-americano e a conclusão é clara: as alterações climáticas causadas pela acção humana tornaram os trágicos incêndios de Los Angeles 35% mais prováveis.

Com o actual aumento da temperatura média global a chegar aos 1,3 graus Celsius, este desastre pode acontecer a cada 17 anos. Pior ainda: um aquecimento de 2,6 graus Celsius, que se prevê que ocorra até 2100, tornará estes fenómenos extremos cerca de 80% (1,8 vezes) mais prováveis em comparação com o clima pré-industrial.

Para determinar o papel das alterações climáticas nesta tendência observada, a equipa da organização WWA combinou as estimativas baseadas em observações com modelos climáticos.

A culpa é do clima?

“Oito dos 11 modelos examinados também mostram um aumento no Índice Meteorológico de Incêndio (FWI) extremo de Janeiro, aumentando a nossa confiança de que as alterações climáticas estão a impulsionar esta tendência”, relata o estudo, assinado por 32 investigadores, incluindo os principais cientistas de incêndios florestais dos EUA e da Europa.

“Combinando modelos e observações, concluímos que o aquecimento induzido pela humanidade devido à queima de combustíveis fósseis tornou o pico do FWI de Janeiro mais intenso, com um aumento estimado de 6% na intensidade e 35% mais provável”, conclui-se.

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Do mesmo modo, os cientistas prevêem que as estações secas ocorram, em média, uma vez em cada 20 anos no clima actual, o que é 2,4 vezes mais provável do que num clima pré-industrial. “Analisando as observações, verificámos que a duração da estação seca aumentou cerca de 23 dias desde que o clima global era 1,3°C mais frio. Isto significa que, devido à queima de combustíveis fósseis, há uma sobreposição cada vez maior da estação seca, quando há muito combustível disponível e ventos de Santa Ana, que são cruciais para a propagação inicial dos incêndios florestais.”

Ligação não é óbvia, mas existe

Nos últimos anos, a WWA tem divulgado vários estudos que comprovam este tipo de relação entre os fenómenos extremos e a crise climática, num total de mais de 90 estudos em todo o mundo utilizando métodos revistos por pares. O Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas (IPCC, na sigla em inglês) incluiu a investigação da World Weather Attribution para fornecer provas de que as alterações climáticas causadas pela acção humana já estão a intensificar os extremos climáticos em todas as regiões do mundo no seu 6.º Relatório de Avaliação, publicado em Março de 2023.

A equipa admite que a associação entre as alterações climáticas, as tendências de precipitação na região e a intensidade dos ventos de Santa Ana não é óbvia. Para saber se estas tendências são atribuíveis às alterações climáticas causadas pela acção humana, “é necessário um estudo mais aprofundado dos padrões nas observações e nos modelos climáticos”.

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Imagem de satélite mostra incêndios a arder perto do lago Elderberry, enquanto o fogo Hughes arde na área do lago Castaic, Califórnia, EUA, 23 de Janeiro de 2025 MAXAR TECHNOLOGIES/REUTERS

Ainda assim, a principal conclusão da análise é clara: “Tendo em conta todas estas linhas de evidência, temos grande confiança de que as alterações climáticas induzidas pela humanidade, principalmente pela queima de combustíveis fósseis, aumentaram a probabilidade dos devastadores incêndios de Los Angeles”.

Fósforo e combustível

O estudo do WWA descreve os “incêndios extremos” que deflagraram em Los Angeles a 7 de Janeiro, espalhando-se rapidamente pelas áreas urbanas. Pelo menos 28 pessoas morreram, mais de dez mil casas foram destruídas e milhões de pessoas foram afectados pelo fumo tóxico. “Estes incêndios foram os mais destrutivos da história de Los Angeles e potencialmente os mais dispendiosos da história dos EUA”, contextualiza o comunicado de imprensa.

As alterações climáticas terão actuado ao mesmo tempo como um fósforo e combustível para criar o inferno que se viveu no início deste mês na Califórnia. No terreno, encontravam-se as “condições perfeitas” para uma tragédia e para alimentar o fogo, que encontrou pelo caminho vegetação seca (após uma estação com pouca chuva) e foi empurrado pela força dos ventos de Santa Ana, ganhando mais força destrutiva.

O estudo da WWA concluiu que as condições quentes, secas e ventosas que estiveram na origem dos incêndios de Los Angeles “eram cerca de 35% (1,35 vezes) mais prováveis devido às alterações climáticas”. E, avisam os especialistas, estas condições propensas a incêndios intensificar-se-ão se os países continuarem a queimar combustíveis fósseis. Com isso, a temperatura vai continuar a aumentar e há cada vez mais combustível a alimentar os fogos, que se multiplicam e intensificam por toda a parte.

“Com um aquecimento de 2,6°C, que se prevê que ocorra até 2100, de acordo com os cenários actuais, a probabilidade de ocorrência de incêndios semelhantes aos de Janeiro será ainda 35% maior, o que torna estes fenómenos extremos cerca de 80% (1,8 vezes) mais prováveis em comparação com o clima pré-industrial, 1,3°C mais frio”, conclui o estudo que analisou o caso da Califórnia.

Santa Ana a exacerbar o inferno

Os incêndios na Califórnia não são novidade, sendo por norma maiores entre Julho e Setembro, devido à “baixa humidade do combustível”.

A instabilidade continua pelo Outono dentro: “Alguns dos eventos mais destrutivos da região ocorrem no Outono ou no início do Inverno, devido à chegada da estação dos ventos de Santa Ana”. Trata-se de ventos secos que fluem “em direcção à costa a partir das montanhas do interior”, que ocorrem normalmente nos meses mais frios de Outubro a Março, explicam os especialistas.

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Só que, desta vez, os típicos ventos de Santa Ana sopraram mais fortemente, complicando a situação no Inverno. O estudo da WWA adianta que “este tipo de padrão de circulação sinóptica foi observado no início dos incêndios nos dias 7 e 8 de Janeiro de 2025, reforçado por um sistema meteorológico “cut-off-low” que saiu da corrente de jacto de latitude mais elevada e se deslocou para a Baixa Califórnia”.

Tempestade perfeita

Mas Santa Ana sem ajuda não fazia o desastre que ocorreu em Janeiro. “O impacto destes incêndios e o momento em que ocorreram, no meio do que deveria ser a estação das chuvas, diferenciam este evento como um fenómeno extremo”, refere John Abatzoglou, professor de Climatologia na Universidade da Califórnia Merced, citado no comunicado de imprensa da WWA.

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Uma estátua entre os escombros depois do incêndio de Eaton em Altadena, Califórnia, EUA, a 20 de Janeiro de 2025 REUTERS/Fred Greaves

Os especialistas da WWA destacam ainda outros factores que agravaram a situação. “A verdadeira razão pela qual se tornam catástrofes é o facto de as casas terem sido construídas em zonas onde é inevitável a ocorrência de incêndios rápidos e de alta intensidade”, afirma Park Williams, professor de Geografia na Universidade da Califórnia.

Fica mais um aviso para a nova fase de reconstrução: “As comunidades não podem voltar a construir o mesmo porque será apenas uma questão de anos até que estas áreas ardidas voltem a ter vegetação e volte a haver um elevado potencial de incêndios de rápida propagação nestas paisagens”.

“Fragilidades críticas na infra-estrutura”

A tempestade perfeita, as condições ideais ou, nas palavras de Roop Singh, director de Urbanismo e Atribuição do Centro Climático da Cruz Vermelha, “uma combinação mortal de factores”. Tudo contra a população de Los Angeles, tudo a favor do incêndio.

Houve outro factor que tornou o fogo particularmente indomável: “A rápida propagação dos incêndios para zonas urbanas e um sistema de abastecimento de água deficiente tornaram os incêndios extremamente difíceis de conter”, constata Roop Singh, citado pela WWA.

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Uma mulher segura um conjunto de porcelana que encontrou intacto depois de a sua casa ter sido destruída pelo incêndio de Palisades, no bairro de Pacific Palisades, em Los Angeles, Califórnia, EUA, a 11 de Janeiro de 2025 REUTERS/David Ryder

O estudo indica que estes incêndios florestais “expuseram fragilidades críticas na infra-estrutura hídrica da cidade, concebida para incêndios de rotina e não para as exigências extremas dos incêndios em grande escala”.

“A crise evidenciou a necessidade de investimentos estratégicos em sistemas de água resilientes e de uma melhor gestão da pressão, juntamente com medidas mais fortes de adaptação climática e de preparação para emergências para fazer face a futuros incêndios florestais mais frequentes”, acrescentam os especialistas.

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Um prisioneiro do Departamento de Correcções e Reabilitação da Califórnia, que faz parte da equipa de combate a incêndios, trabalha enquanto o incêndio Hughes arde em Castaic Lake, Califórnia, EUA, a 22 de Janeiro de 2025 REUTERS/David Swanson

Perante o inevitável, a prevenção salva vidas

O estudo denuncia também um sistema falível de aviso à população e que terá afectado, sobretudo, os mais frágeis e que mais precisavam de protecção. “Os idosos, as pessoas com deficiência (especialmente com mobilidade limitada), as pessoas com rendimentos mais baixos, sem veículo privado, e os grupos populacionais que receberam avisos tardios foram afectados de forma desproporcional, uma vez que tiveram mais dificuldade em chegar a um local seguro.”

Assim, partindo do princípio de que estamos perante um cenário (climático) que será impossível mudar de forma rápida, é preciso apostar na prevenção. Ou seja, enquanto esperamos pela desejada mitigação – a redução de emissões de gases com efeito de estufa –, voltemo-nos para a adaptação que pode salvar vidas. “Estes incêndios realçaram a vulnerabilidade da Califórnia aos incêndios florestais de Inverno, sublinhando a necessidade de uma melhor preparação para um futuro mais perigoso.”

“Com cada fracção de grau de aquecimento, a probabilidade de condições extremamente secas e fáceis de queimar na cidade de Los Angeles aumenta cada vez mais”, especifica Theo Keeping, investigador do Centro Leverhulme para Incêndios Florestais do Imperial College de Londres​.

Friederike Otto, co-fundadora do World Weather Attribution e professora catedrática de Ciência do Clima no Imperial College de Londres, remata: “As alterações climáticas continuam a destruir vidas e meios de subsistência nos EUA. Desde os violentos furacões no Leste até aos terríveis incêndios florestais no Oeste, os norte-americanos estão a sofrer as consequências devastadoras do aquecimento provocado pelos combustíveis fósseis.”

A investigadora não esconde a preocupação com as prioridades proclamadas por Donald Trump: “Em 2025, as opções que os líderes mundiais enfrentam continuam a ser as mesmas – perfurar e continuar a queimar petróleo, gás e carvão e sofrer consequências cada vez mais perigosas, de um clima cada vez mais perigoso, ou fazer a transição para as energias renováveis e para um mundo mais seguro e mais justo.”