Deborah Colker apresenta Sagração, diálogo entre erudito e primitivo de Stravinski

A bailarina e coreógrafa estará em Lisboa, de 26 a 30 de março, com sua companhia de dança para o espetáculo Sagração, no Teatro Tivoli. A montagem tem como tema central a floresta.

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A bailarina e coreógrafa Deborah Colker levará a obra de Stravinski para os palcos portugueses Divulgação
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Do Centro de Movimento Deborah Colker, na Glória, Zona Sul do Rio, a bailarina e coreógrafa que dá nome ao espaço conversa com o PÚBLICO Brasil sobre a expectativa de voltar a Portugal. De 26 a 30 de março deste ano, sua companhia de dança apresentará o espetáculo Sagração, no Teatro Tivoli, em Lisboa. A montagem, uma adaptação de A Sagração da Primavera, de Igor Stravinski, era um sonho antigo da premiada artista brasileira de 64 anos.

Deborah ressalta que o espetáculo faz um diálogo entre o erudito e o primitivo, no caso, a floresta, com seus sons, cheiros, cores. "Quis mostrar também mitos da criação. A indígena é uma delas, a judaico-cristã é outra, e uma que é muito importante, porque faz o caminho da apresentação, é o darwinismo. Como Darwin pensou na evolução da espécie para chegar nessa tragédia que somos nós, o Homo sapiens", afirma.

A coreógrafa vê com bastante entusiasmo o público português. "Sinto que é uma plateia diversificada. Tem uma galera de teatro, de dança, você vê que conhece artes cênicas, o que é algo muito bacana. Tem o público que conhece o Brasil pelas novelas, que tem uma curiosidade ou, às vezes, vai pela própria localização do teatro. É uma coisa misturada. E eu gosto dessa mistura", destaca ela, que levará na bagagem 300 bambus, cada um de quatro metros, para compor o cenário. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Por que fazer um espetáculo inspirado numa obra de Stravinski?

Porque ela é um marco na música e na dança. E olha que uma penca de gente bacana já montou esse espetáculo, como Pina Bausch (coreógrafa alemã) e Nijinski (coreógrafo russo). Então, pensei: Caramba, como eu faço? E quis fazer da minha maneira, uma Sagração brasileira, falando das nossas riquezas, mas seguindo a cartilha do Stravinski. A obra, um diálogo entre o erudito e o primitivo, é dele. O clássico, eu não podia mexer. Mas o primitivo eu levei para o nosso Brasil, para a nossa floresta, para a nossa sonoridade. E quais são os nossos sons, os nossos cheiros, as nossas cores, que floresta é essa? Eu quis mostrar também mitos de criação. A indígena é uma delas, a judaico-cristã é outra, e uma que é muito importante, porque faz o caminho da apresentação, é o darwinismo. Como Darwin pensou na evolução da espécie para chegar nessa tragédia que somos nós, o Homo sapiens.

O cenário é feito com 170 bambus. Como surgiu essa ideia?

Um dia, cheguei para o meu parceiro, o produtor João Elias, e disse que queria fazer o espetáculo com bambus da fazenda dele (em Silva Jardim, município do Rio de Janeiro). Ele perguntou: ‘Como vou trazer?’ Falei para ele dar um jeito (risos). E vamos levar os bambus de navio para Portugal, em contêineres climatizados. Na verdade, são 300 bambus, porque eles podem rachar. Cada um tem quatro metros de comprimento. E não são apenas parte do cenário. Os bambus são a extensão do corpo do bailarino. É uma peça interativa, que se transforma o tempo inteiro. E o João fala que uso bambu porque é que nem brasileiro: enverga, mas não quebra.

Os ingressos para as quatro sessões de Cão Sem Plumas, que a você trouxe para Portugal, em 2023, esgotaram-se. Qual é a expectativa com Sagração?

Adoro lotação esgotada (risos). Gosto de fazer espetáculos para as pessoas. Gosto que elas vejam e digam como viveram aquela experiência. É tudo que nós, como artistas, queremos.

Como é o público português?

Nós já fomos quatro vezes para Portugal. Sinto que é uma plateia diversificada. Tem uma galera de teatro, de dança, você vê que conhece artes cênicas, o que é algo muito bacana. Tem o público que conhece o Brasil pelas novelas, que tem uma curiosidade ou, às vezes, vai pela própria localização do teatro. É uma coisa misturada. E eu gosto dessa mistura. Tem também o espectador que, às vezes, não conhece muito (de artes), mas sempre percebe, sente, recebe aquilo de alguma maneira. Não existe um público melhor ou que sabe mais do que o outro. Essa arrogância, eu estou fora. 'Ah, mas são os entendidos. Ah, porque o europeu entende mais’. Não existe isso. Fizemos Cão Sem Plumas, ao ar livre, em Sobral, no Ceará, para pessoas que, provavelmente, nunca viram um espetáculo na vida. E a conversa e a experiência são geniais, valem ouro.

Em Sagração, você apresenta uma reflexão sobre “a continuidade na terra”. Como vê o que está acontecendo com o nosso Planeta?

Temos que ter respeito por essa terra, porque é a nossa casa. Muitos negam o aquecimento, dizem que a Terra estaria condenada de qualquer jeito, mas a verdade é que temos que lidar com isso! De que maneira? Protegendo as florestas, com menos emissão de gás carbônico. Vivemos num sistema em que o dinheiro manda muito forte em tudo, mas temos que equilibrar isso, porque essa casa não vai aguentar. Sabemos disso. Não é mais uma coisa partidária. Antigamente, era a galera de esquerda que falava em proteger a natureza. Não existe mais isso. Não é mais uma questão de eu concordo ou não. É uma realidade brutal, e cada um vai ter que fazer a sua parte. Eu me lembro, quando era pequena, que a minha mãe dizia: ‘A gente não é sócio da Light (empresa de energia elétrica), apaga a luz!’. Agora a fala é: cuidado com a água que você está gastando. E é isso, cada um tem que fazer a sua parte, economizar energia, economizar água, separar o lixo. E Sagração mostra a destruição da floresta.

Termina assim?

Não vou dar spoiler, mas nós também fazemos a ascensão. Li um livro que se chama A Queda do Céu (de Bruce Albert a partir de conversas com Davi Kopenawa, xamã yanomami). Para os povos originários, o fim da floresta é o fim do mundo. Estamos vivendo isso agora, não está por vir, está acontecendo, é real.

De Portugal, a companhia segue pela Europa?

Vamos para Berlim, mas com Cão Sem Plumas. Estamos trabalhando com essa trilogia, que inclui Cura. São apresentações muito viscerais, ritualísticas, que vêm da pele, da terra. Quero levar Cura para Portugal também.

Quais são os próximos projetos?

No início de 2026, vamos para o México apresentar um espetáculo sobre Frida Kahlo e Diego Rivera.

Você não para.

Uma hora, vou parar. Mas, falando sério, não tenho motivos para isso. Acreditamos, de verdade, no que fazemos. As dificuldades, às vezes, nos puxam para baixo, mas nos reinventamos e nos apaixonamos novamente. É a nossa vida.

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