Caro leitor, cara leitora,
Há umas semanas escrevi que 2025 seria “um ano de grandes negociações” no sector da educação. Referia-me ao ensino não superior, mas a expressão aplica-se também ao superior: depois de ter entrado em vigor em 2007 e de ter sofrido apenas três alterações pontuais, haverá finalmente mudanças no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES).
Deveria ter sido avaliado em 2013, mas o processo foi desencadeado apenas em 2023, ainda pelo anterior Governo, que nomeou uma comissão independente para o fazer. Por isso, há um aspecto em que parece haver consenso: a ideia de que o actual regime está “desajustado face à realidade do sistema do ensino superior e da sociedade” e de que “contém várias barreiras burocráticas” que dificultam o trabalho e as estratégias de cada instituição de ensino.
Em Dezembro, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação anunciou algumas das principais mudanças que constam na nova proposta de lei que tem estado a apresentar ao sector:
- Aproximar os subsistemas universitário e politécnico, permitindo fusões entre instituições — o que poderá, por exemplo, passar pela constituição de consórcios —, de modo a partilhar recursos e tornar mais robusta a rede.
- Permitir a designação de universidades politécnicas aos institutos que passem a outorgar doutoramentos, como forma de “valorização”.
- Ter reitores e presidentes eleitos directamente pela comunidade académica (incluindo antigos alunos, o que não é consensual) e apenas por um mandato único de seis anos — retirando esse poder ao Conselho Geral. Uma "revolução" que não será bem sucedida no futuro, antevê no PÚBLICO José Ferreira Gomes, reitor da Universidade da Maia e antigo secretário de Estado do Ensino Superior no Governo de Pedro Passos Coelho.
- Dar às instituições de ensino superior "maior estabilidade e previsibilidade orçamental".
- Combater a endogamia, com limites à contratação de doutorados pelas instituições de ensino onde obtiveram o grau.
Para o ministro da Educação, Fernando Alexandre, o regime actual é “demasiado rígido”. “Um sistema binário que demarca de forma muito vincada a distinção entre universidades e politécnicos está ultrapassado, colocando barreiras que limitam a evolução das instituições e o seu impacto no desenvolvimento das regiões e do país”, escreveu num artigo de opinião no PÚBLICO.
Mas, ainda esta semana, o presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), João Guerreiro, alertou para um possível risco desta “convergência”: a "quebra de diversidade" na oferta formativa que, em muitos casos, acaba por ser garantida pelos institutos politécnicos pela maior ligação que têm aos territórios. E lembrou que a discussão deve focar-se mais na forma como podem as instituições "responder às necessidades da sociedade" através da diversidade e qualidade dos cursos, mestrados e doutoramentos que oferecem.
Os sindicatos também já foram ouvidos sobre estas propostas. Concordam com a aproximação dos dois subsistemas, mas discordam do peso dado aos antigos alunos (25%) na eleição do reitor ou do presidente – também a A3ES defende que deve ser “mais moderado”.
Do lado do ensino superior privado, a revisão deste regime é vista como uma oportunidade para “modernizar o ensino superior” e para “romper com a matriz estatista” que o caracteriza. Pedem um diploma específico para regular a carreira docente no ensino superior particular e cooperativo, a revisão dos entraves à entrada de estudantes estrangeiros, mais ensino à distância e modelos híbridos, e ainda a “reformulação” da A3ES.
Ainda há entidades a serem auscultadas e a proposta terá ainda de ser discutida e aprovada no Parlamento. Mas há quem tema, desde já, que esta revisão seja apenas uma “alteração cosmética” e uma “oportunidade perdida”. Acompanharemos o que se seguirá.
Até quinta-feira!
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