Fóssil de leopardo-das-neves veio revelar que esta espécie viveu em Portugal
O esqueleto parcial de um leopardo tinha sido descoberto em 2000 em Porto de Mós. Agora percebeu-se que, afinal, não era de um leopardo comum.
Um fóssil de um leopardo que tinha sido descoberto em Portugal, em Porto de Mós, foi investigado por uma equipa internacional de cientistas. Pensava-se que era um leopardo comum, mas agora desvendou-se que se trata do fóssil de um leopardo-das-neves, cujos ossos se encontram no Museu Geológico de Lisboa.
As descobertas acerca da evolução e adaptações da linhagem do leopardo-das-neves durante a última idade do gelo, publicadas na edição desta semana da revista Science Advances, têm implicações significativas para a conservação desta linhagem, segundo os cientistas, representados em Portugal pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e pelo Museu da Lourinhã.
O leopardo-das-neves é um felino esquivo e de hábitos reservados e, até agora, acreditava-se ser o único que vive exclusivamente em altitude, nas montanhas da Ásia Central.
Mas o estudo do esqueleto parcial do leopardo-das-neves descoberto por espeleólogos amadores, em 2000, em Porto de Mós, que inclui um crânio e é conhecido como o “leopardo do Algar da Manga Larga”, desafia suposições há muito defendidas sobre as preferências de habitat deste felino.
O estudo, cujo primeiro autor é o investigador Qigao Jiangzuo, do Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia da Academia das Ciências Chinesa (em Pequim), defende que os leopardos-das-neves dão prioridade a terrenos íngremes e rochosos e a climas frios, sem precisarem necessariamente de altitudes elevadas.
Enquanto os leopardos comuns (Panthera pardus) evoluíram para caçar presas rápidas e ágeis em habitats parcialmente florestais, os leopardos-das-neves (Panthera uncia) desenvolveram características distintas para abater presas robustas como as cabras-montesas, incluindo molares maiores, crânios abobadados e mandíbulas e patas mais fortes.
A sua sobrevivência em terrenos rochosos e estéreis também dependia de outras adaptações fundamentais: a visão binocular melhorada, uma grande estrutura craniana ectotimpánica para uma melhor audição, membros poderosos para suportar o impacto de saltos entre rochas e uma cauda longa para equilíbrio.
Estas adaptações desenvolveram-se rapidamente durante o período Quaternário, particularmente a partir da época do Pleistocénico Médio (entre há 355 mil anos e 82.800 mil anos na escala de tempo geológico).
Um leopardo “inesperado” na Europa ocidental
Para este artigo científico, estudaram-se registos fósseis com cerca de um milhão de anos oriundos da China e França, além de Portugal, adianta, por sua vez, um comunicado da Universidade Autónoma de Barcelona. O fóssil de Porto de Mós, destaca o comunicado desta universidade na Catalunha, é “um membro inesperado da linhagem do leopardo-das-neves na Europa ocidental”.
“Propomos que, há cerca de 900 mil anos, a intensificação gradual das glaciações na Eurásia levou ao aparecimento gradual de espaços mais abertos, o que possibilitou a chegada da espécie a Portugal, onde viveu até há relativamente pouco tempo, há cerca de 40 mil anos”, realça Joan Madurell Malapeira, Universidade Autónoma de Barcelona e um dos autores do artigo científico.
As futuras investigações vão explorar a neuroanatomia e a paleoecologia do leopardo do Algar da Manga Larga, refere um comunicado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa sobre esta investigação, que incluiu ainda cientistas de França.
“Foi realmente uma grande surpresa encontrar um membro desta linhagem de felídeos no Pleistocénico de Portugal”, afirma, no comunicado, Darío Estraviz-López, estudante de doutoramento em geologia daquela faculdade, que integra a equipa de investigação, adiantando que esta descoberta só foi possível graças a grande contextualização com outros materiais procedentes da China.
O leopardo-das-neves foi classificado como espécie “vulnerável” em 2017, após ter estado classificado como espécie em perigo de extinção desde 1972.