O maior produtor de carne do mundo, o grupo empresarial de origem brasileira JBS, tornou-se em 2021 o primeiro dos seus pares a comprometer-se não só a reduzir ou compensar todas as suas emissões de gases com efeitos de estufa até 2040, mas também a eliminar a desflorestação ilegal ao longo da cadeia de abastecimento, que começa no coração da Amazónia brasileira.
A empresa utilizou termos como “compromisso” e “promessa”, e um slogan que dizia que “qualquer coisa menos do que isso não é uma opção”, para descrever o plano em chamadas com investidores sobre uma emissão de obrigações sustentáveis. Estas palavras também constariam em materiais de marketing, incluindo a comunicação desenhada para promover a carne de vaca produzida pelo grupo de origem brasileira.
Agora, quase quatro anos depois, Jason Weller, director global de sustentabilidade da empresa em que a família Batista é o maior investidor, referiu à Reuters, numa rara entrevista, que o objectivo de reduzir emissões era apenas uma “aspiração”. “Nunca foi uma promessa que a JBS iria fazer isso acontecer”, esclareceu Weller sobre o compromisso de alcançar emissões líquidas zero.
O director também relembrou que a JBS não pode controlar como as propriedades agrícolas operam, embora estejam a incentivar mudanças voluntárias. A empresa comprometeu-se em 2021 a acabar com o desmatamento ilegal da Amazónia entre os seus fornecedores de gado até 2025.
Numa declaração escrita à Reuters após a entrevista, a JBS acrescentou: “as nossas ambições climáticas não mudaram. Qualquer afirmação em contrário é completamente falsa”.
Aumento da procura de carne
A Reuters constatou que os investidores pouco conseguiram fazer para que a JBS cumprisse as promessas feitas nos últimos cinco anos. Não foram apresentadas propostas de accionistas relativas a questões ambientais, poucos votaram contra os Batistas em qualquer questão e quase nenhuma pergunta sobre sustentabilidade foi feita nas apresentações anuais dos resultados do grupo.
Os lucros estão a aumentar devido à forte procura de carne, o que contribuiu para que as acções da JBS, cotada na bolsa de valores de São Paulo, atingissem no mês passado um nível recorde.
A desflorestação promovida pela criação de gado está a empurrar a Amazónia em direcção a ponto sem retrocesso possível, no qual a maior floresta tropical do mundo deixará gradualmente de reter o dióxido de carbono que contribui para a crise climática.
Os criadores de gado brasileiros são responsáveis por 80% da actual desflorestação da Amazónia, segundo os investigadores. A dificuldade de reduzir os danos ambientais associados à JBS e a outras empresas agrícolas pode vir a prejudicar a presidência de Lula da Silva, que se prepara para acolher em Belém, em Novembro, a Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP30).
As grandes petrolíferas Shell e BP também estão entre as empresas globais que suavizaram as promessas climáticas feitas anteriormente.
“Há muito poucos investidores a usar a própria influência, na qualidade de accionistas, para se envolverem nesta questão [ambiental]”, explicou Vemund Olsen, analista sénior de investimentos sustentáveis da Storebrand Asset Management, sediada na Noruega, que vendeu as suas acções da JBS em 2017.
“É uma questão para a qual toda a indústria precisa encontrar soluções comuns, e que também requer uma melhor regulamentação e aplicação da legislação em países como o Brasil”, acrescenta Vemund Olsen.
Em Outubro, o órgão de protecção ambiental do Brasil multou propriedades agrícolas e distribuidores de carne, incluindo a JBS, por criar ou comprar gado em terras desmatadas ilegalmente na Amazónia.
O desafio da cadeia de abastecimento
Os activistas ambientais calcularam que 97% das emissões da JBS provêm de gases com efeito de estufa libertados através da desflorestação, da perda de biodiversidade e da poluição associadas à criação de gado. Na contabilidade das emissões, estas são chamadas de emissões de mudança do uso dos solos. A JBS considera que estes cálculos são incorrectos.
Embora a JBS comunique as emissões indirectas na totalidade da sua cadeia de abastecimento, o grupo exclui as emissões relacionadas com as mudanças do uso dos solos.
“Não existe actualmente um formato aprovado para o cálculo das emissões resultantes das mudanças do uso do solo que nos inspire confiança”, afirmou Jason Weller. Em vez disso, a JBS concentra-se nas emissões das próprias operações, incluindo os matadouros.
Outras empresas globais, incluindo a empresa de alimentos embalados Mars e os comerciantes de grãos Archer Daniels Midland e Bunge, começaram a divulgar as emissões de mudança de uso dos solos.
“Não temos a capacidade de obrigar ou forçar uma mudança nas explorações agrícolas, nem temos a capacidade de obrigar ou mudar a forma como os nossos clientes utilizam os nossos produtos”, assegurou Jason Weller.
Devido a essas limitações, Jason Weller reforçou que a JBS tinha “zero controle operacional, contratual ou legal da própria cadeia de fornecedores”. O responsável, no entanto, acrescentou que “apesar de não ter qualquer mandato”, estaria a actuar na cadeia de abastecimento e a investir para “promover mudanças reais”.
Pouca pressão dos investidores
A Morningstar Sustainalytics, uma agência independente de classificação de sustentabilidade, coloca a JBS no 95º lugar entre as empresas que analisa, com uma classificação de “risco grave” associada ao seu desempenho ambiental.
A Reuters descobriu, em entrevistas com investidores e análises de arquivos da empresa, que a empresa em rápido crescimento enfrentou pouca pressão dos investidores, mesmo com as provas crescentes de que estava no caminho para não atingir as metas de sustentabilidade.
Os 20 maiores investidores da JBS recusaram pedidos para discutir a postura do grupo em matéria ambiental, mesmo quando aumentaram as exigências das empresas europeias para que se eliminasse a desflorestação da cadeia de produção.
Dados da Morningstar mostram que 17 fundos rotulados como “sustentáveis” possuem acções da JBS. Todos se recusaram a discutir o envolvimento com a empresa produtora de carne, ou lógica de investimento nesse sector, ou então não responderam a pedidos de comentários da Reuters.
Weller certifica que a JBS está empenhada em melhorar a transparência e o envolvimento com dos investidores em matérias de sustentabilidade.
Longe da mitigação climática
A capacidade dos investidores privados de influenciar a empresa já é limitada, uma vez que os Batistas detêm quase metade das acções da empresa. Outros 21% pertencem ao banco de desenvolvimento brasileiro BNDES, que tem apoiado a administração em votações.
No ano passado, um parecer não público do consultor Glass Lewis aos investidores mostrou que a JBS teve uma pontuação baixa em termos de mitigação de riscos climáticos e responsabilidade do conselho, enquanto o consultor ISS também levantou preocupações sobre a gestão e “práticas de governança flagrantes no contexto da corrupção”.
Durante a ampla investigação anticorrupção conhecida como Operação Lava Jato, que começou em 2014 e incluiu empresas de toda a América Latina, um tribunal proibiu os irmãos Wesley e Joesley Batista de ocupar cargos de administração no grupo.
A decisão foi tomada após admitirem ter subornado cerca de dois mil reguladores, funcionários do governo e políticos brasileiros, incluindo um ex-presidente, durante um período de 10 anos. Em Abril de 2024, os irmãos Batista voltaram a fazer parte do conselho de administração da JBS, na sequência de uma votação dos accionistas.