Ainda Estou Aqui: em pré-estreia, filme reaviva o terror da ditadura no Brasil

Centenas de pessoas se acomodaram em duas salas de cinema para assistir ao longa. Nos comentários, sentimento de orgulho pela qualidade do filme e temor pelos flertes atuais com o autoritarismo.

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"Ainda Estou Aqui" será exibido em mais de 40 salas de cinema de 28 cidades de Portugal a partir desta quinta-feira Marise Araújo/Cortesia
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Foram necessárias duas salas de cinema para acomodar as centenas de pessoas presentes na pré-estreia de Ainda Estou Aqui em Lisboa, na noite de terça-feira (14/01). O filme, que pode ser indicado ao Oscar de melhor produção estrangeira e deu o Globo de Ouro de melhor atriz dramática a Fernanda Torres, provocou fortes emoções e alertou sobre os riscos de se flertar com golpes de Estado e regimes autocráticos.

Dirigido por Walter Salles, Ainda Estou Aqui começará a ser exibido comercialmente a partir desta quinta-feira (16/1) em mais de 40 salas de cinema de 28 cidades portuguesas. No Brasil, o filme já superou a marca de 3 milhões de espectadores. A história gira em torno de Eunice Paiva, que teve o marido, Rubens Paiva, morto pela ditadura. O corpo dele nunca foi encontrado.

Para Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, a produção tem papel importante no atual momento político brasileiro. “É um filme muito importante para a nossa memória, pois nos ajuda a não esquecer que a ditadura destruiu o país e pessoas. Até hoje, isso não está bem resolvido, não houve reparação nem julgamentos”, diz. Há dois anos, o Brasil e o mundo assistiram, atônitos, uma tentativa de golpe em Brasília, com a invasão e destruição das sedes dos Três Poderes.

Pedro Barbosa, produtor cultural, dramaturgo e líder espiritual da Associação Amor Bàbá, também destaca a qualidade do filme. “A produção fotográfica e artística é muito boa. Passamos a ter um novo olhar sobre as nossas produções. Há uma grande desvalorização dos nossos filmes, a chamada síndrome de vira-lata. Reconhecemos o trabalho artístico dos Estados Unidos e de outros países, mas não olhamos com tanta empatia para o que é nosso”, avalia.

Jair Rattner
Paulo Fernandes/Cortesia
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Ele acredita que Ainda Estou Aqui terá efeitos políticos. “O filme tem um olhar sobre a forma como a ditadura impacta a família e causa a desestruturação das pessoas. É muito importante, porque acabamos de sair de um quase retrocesso para uma situação como a do filme. É um testemunho contra o apagamento da memória das pessoas e nos faz lembrar para onde não queremos ir”, acrescenta.

As semelhanças do período da ditadura brasileira com acontecimentos da atualidade mundial marcaram Nilzete Pacheco, da Associação Lusofonia. “É um filme emocionante. Fiquei com a sensação de que quase nada mudou. A história é atual, pois ainda há perseguição política em muitos países como havia naquela época”, observa.

Na avaliação de Nilzete, o filme abrirá portas para mais longas brasileiros. “O prêmio que Fernanda Torres recebeu não foi só para a Fernanda Torres. Ganhou o Brasil, ganharam os brasileiros. Nós, brasileiros, muitas vezes, desvalorizamos nossas coisas. Acho que este filme dará um novo impulso ao cinema brasileiro e às produções países de língua portuguesa em outras partes do mundo”, frisa.

Nada de panfletário

Heliana Bibas, ex-presidente da Casa do Brasil de Lisboa, conta que vivenciou o filme de uma forma especial. Ela conheceu uma das pessoas representadas na produção, ainda que com outro nome. “É a segunda vez que vejo o filme, e fiquei mais emocionada do que na primeira. Ainda Estou Aqui mostra que não precisa ser panfletário para denunciar a ditadura. A história está muito bem contada, e é emocionante. Eu era muito amiga do filho da professora do Colégio Sion — a última pessoa a ver Rubens Paiva na prisão, antes de ele ser morto pelos militares”, relata.

Coordenadora de projetos socioculturais, Adélia Pauferro dá ênfase à forma como a história é contada. “Senti gratidão pela qualidade do que vi naquela tela. A interpretação de Fernanda Torres é contida, ela não precisa falar. Não teve imagens de violência, mas dói dentro da gente. Sentimos a dor que a personagem sente. É um filme político, mas tudo acontece nas entrelinhas”, explica.

Jorge Ciprianno, coreógrafo e bailarino, saudou o filme pela qualidade técnica. “Fiquei impactado com o que vi, muito sensibilizado. Toda a plástica foi muito bem pensada, os atores estão maravilhosos. Eu mergulhei na história de Eunice Paiva”, afirma.

Ele relaciona a história com o momento que se vive hoje no Brasil. “É uma temática muito atual. Passamos muito perto de um novo golpe militar, e não acredito que seja impossível acontecer de novo. O filme serve como um alerta à população brasileira. Vai haver eleições e vamos pensar bem nas nossas escolhas, que podem prejudicar toda uma geração”, acrescenta.

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