Secretária de Estado britânica demite-se por ligações a caso de corrupção no Bangladesh

Siddiq é sobrinha da ex-primeira-ministra bangladechiana e está a ser investigada pelo envolvimento da família e do partido da tia no alegado desvio de fundos no país. Trabalhista nega acusações.

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Tulip Siddiq, sobrinha da ex-primeira-ministra do Bangladesh, Sheikh Hasina, é deputada no Parlamento britânico desde 2015 REUTERS/Peter Nicholls
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Tulip Siddiq apresentou na terça-feira a demissão do cargo de secretária de Estado do Tesouro no Governo britânico, depois de o seu nome ter sido citado numa investigação de alegada corrupção e desvio de fundos que envolve a sua família, no Bangladesh. Recusando ter cometido quaisquer irregularidades ou crimes, a governante demissionária assumiu, no entanto, que o caso era “susceptível de constituir uma distracção para o trabalho” do executivo de Keir Starmer.

Numa altura em que as sondagens não lhe são favoráveis e em que tenta reagir ao impacto negativo do ressurgimento mediático de um escândalo de abusos sexuais exposto em 2011, o primeiro-ministro trabalhista assiste agora à segunda demissão no seu Governo em pouco mais de um mês – Louise Haigh renunciou ao cargo de ministra dos Transportes no final de Novembro devido a uma fraude com um telemóvel ocorrida há uma década.

Responsável pelas pastas dos serviços financeiros e da luta contra o branqueamento de capitais no Reino Unido, Siddiq é sobrinha de Sheikh Hasina, que foi primeira-ministra bangladechiana durante mais de 20 anos (1996-2001 e 2009-2024). Hasina abandonou o cargo no Verão e fugiu do país, para a Índia, por causa da repressão brutal das autoridades aos protestos estudantis contra uma medida controversa do seu Governo.

Segundo a BBC, a ex-primeira-ministra, a sua família e a Liga Awami – partido histórico da luta pela independência do Bangladesh – estão a ser investigadas pelo organismo anti-corrupção bangladechiano pelo alegado desvio de fundos de projectos de infra-estruturas energéticas, avaliados em 3,9 mil milhões de libras (4,6 mil milhões de euros).

Baseando parte da investigação em denúncias feitas por Bobby Hajjaj, opositor político da ex-primeira-ministra, os investigadores dizem que Hasina, Siddiq e outras familiares e membros da Liga Awami beneficiaram, por exemplo, do desvio de verbas de um contrato no valor de quase 12,7 milhões de dólares (12,6 milhões de euros) com a Rússia para a construção de uma central nuclear no Bangladesh.

Tulip Siddiq foi fotografada na cerimónia de assinatura do contrato em Moscovo, em 2013, que contou com a presença do Presidente russo, Vladimir Putin, e, segundo o testemunho de Hajjaj, terá mesmo ajudado a tia a fechar o acordo. A secretária de Estado demissionária, que, na altura, ainda não era deputada no Parlamento britânico, nega, no entanto, esta versão.

Nos últimos dias, os media britânicos também levantaram dúvidas sobre as propriedades de Siddiq em território britânico. De acordo com a Reuters, a ex-governante viveu numa casa no Norte de Londres oferecida à sua família em 2009 por um advogado bangladechiano que representou o Governo de Hasina. E, segundo o Financial Times, Siddiq adquiriu outra casa na capital britânica, em 2004, sem ter pago por ela, a uma pessoa ligada à Liga Awami.

“Riscos reputacionais”

Pressionada por estas revelações e perante os pedidos de demissão da líder do Partido Conservador, Kemi Badenoch, na oposição, a própria secretária de Estado pediu a Laurie Magnus, conselheiro do Governo para as questões de ética, para intervir.

Nas conclusões da sua investigação, enviadas na terça-feira ao primeiro-ministro, Magnus disse que não foi possível “obter uma informação completa sobre todos os assuntos relacionados com a propriedade do Reino Unido referidos nos órgãos de comunicação social” e que Siddiq não violou o código de conduta ministerial.

Mas admitiu que a secretária de Estado tinha de ter “estado mais alerta para os potenciais riscos reputacionais” das ligações da sua família ao caso investigado no Bangladesh. Pouco depois do envio desta informação a Starmer, Tulip Siddiq, de 42 anos, apresentou a demissão.

“As minhas ligações familiares são do domínio público e, quando me tornei secretária de Estado, forneci ao Governo todos os pormenores das minhas relações e interesses privados. (…) Fui aconselhada a declarar na minha declaração de interesses que a minha tia é a antiga primeira-ministra do Bangladesh e a recusar-me a participar em assuntos relacionados com o Bangladesh para evitar qualquer percepção de conflito de interesses”, explicou Siddiq, numa carta enviada a Starmer.

“No entanto, é evidente que continuar a desempenhar as minhas funções de secretária económica no Tesouro poderá constituir uma distracção para o trabalho do Governo”, assumiu. “A minha lealdade é e será sempre com este Governo trabalhista e com o programa de renovação e transformação nacional que iniciou. Decidi, portanto, demitir-me do meu cargo ministerial.”

Em resposta, sublinhando que Siddiq não violou o código de conduta ministerial nem foi responsável por qualquer delito, o primeiro-ministro agradeceu a “decisão difícil” que a secretária de Estado tomou e aceitou “com tristeza” a renúncia ao cargo. Para o seu lugar foi escolhida Emma Reynolds, que era subsecretária de Estado para as Pensões.

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