Estima-se que tenha havido cerca de 3500 horas de pesca de fundo em ecossistemas marinhos vulneráveis da União Europeia entre Novembro de 2022 – quando a Comissão Europeia proibiu a prática em 87 áreas específicas da costa ibérica, do mar Celta e do golfo da Biscaia – e Outubro de 2023. No que toca a Portugal, há registos de cerca de 500 horas de actividade de três embarcações nacionais na região de Sines ao longo do mesmo período.
“Três embarcações portuguesas parecem ter estado envolvidas em actividades de pesca de fundo significativas, visando repetidamente uma área delimitada de ecossistemas marinhos vulneráveis na Plataforma Ibérica Ocidental, totalizando mais de 500 horas de esforço de pesca”, afirma ao PÚBLICO Russell Moffitt, responsável do Marine Conservation Institute e co-autor de um artigo científico publicado esta quarta-feira na revista Science Advances.
Portugal surge no estudo associado a mais de 14% do total de horas de pesca de fundo em zonas proibidas ao longo de um ano. Os navios espanhóis foram os que apresentaram maior actividade no mesmo período em ecossistemas marinhos vulneráveis.
“Embora Portugal esteja a respeitar parcialmente os limites dos ecossistemas marinhos vulneráveis, são urgentemente necessários mais esforços de cumprimento e monitorização. A protecção dessas áreas não é apenas crítica para a preservação da biodiversidade marinha, mas também essencial para garantir o futuro de uma pesca de profundidade sustentável”, defende Lissette Victoreo, primeira autora do estudo e cientista da organização Deep Sea Conservation Coalition (DSCC).
O estudo analisa dados do sistema de identificação automática (AIS, na sigla em inglês) de grandes embarcações dedicadas à pesca de fundo que, entre 2021 e 2023, operaram ao longo da costa continental atlântica da União Europeia. Esta prática pesqueira é “inerentemente destrutiva”, diz Russell Moffitt, uma vez que arrasta correntes e redes pelo leito oceânico com o objectivo de capturar espécies marinhas que vivem nas profundezas.
O objectivo dos cientistas era avaliar a eficácia da proibição desta arte de pesca nas tais 87 zonas de protecção criadas à volta de ecossistemas marinhos vulneráveis com 400 a 800 metros de profundidade. Considerando que, antes de 2022, houve 19.000 horas de pesca de fundo nessas áreas sensíveis, os investigadores concluíram que a prática diminuiu 81% no ano seguinte à proibição da União Europeia. Ainda assim, registaram-se 3500 de horas de transgressão.
“Tenho a certeza de que as pessoas do sector das pescas que cumprem os encerramentos não podem ficar satisfeitas com o facto de alguns ‘maus da fita’ desrespeitarem os regulamentos”, refere Russell Moffitt, numa resposta por escrito.
“Uma hora já seria grave”
Catarina Abril, técnica de pescas e clima da associação ambientalista Sciaena, afirma que a zona proibida onde foi registada a actividade de três embarcações portuguesas corresponde à região ao longo da costa de Sines.
“Trata-se do polígono 13, um dos 87 à volta dos ecossistemas marinhos vulneráveis onde há uma proibição total de pesca de fundo. Mesmo que fosse só uma hora de pesca aparente já seria grave; 500 horas de pesca de fundo é gravíssimo”, observa Catarina Abril, numa chamada com o PÚBLICO.
A especialista da Sciaena refere que, não havendo registo prévio dessas transgressões, “é preocupante que Portugal – um país que é seis vezes mais mar do que terra – não esteja a monitorizar adequadamente o seu próprio espaço marinho”. “Esperamos que Portugal seja mais vocal e se posicione politicamente em relação a estas transgressões”, exorta Catarina Abril.
Também os autores do estudo sublinham a importância de intensificar as acções de monitorização e sensibilização. “Portugal, com o seu vasto território marinho, tem-se posicionado como um forte defensor das Áreas Marinhas Protegidas. Como nação marítima cuja economia depende fortemente de um oceano saudável, Portugal tem a responsabilidade acrescida de salvaguardar a biodiversidade rica e frágil das suas águas, enfatizando a importância de proteger rigorosamente os ecossistemas marinhos vulneráveis”, afirma Lissette Victoreo.
A maior preocupação de Russell Moffitt é que o sector das pescas e os Estados-membros da União Europeia compreendam a importância das interdições nos ecossistemas marinhos vulneráveis, que foram concebidas para mitigar os efeitos destrutivos da pesca de fundo.
“Contudo, esta medida pode não ser eficaz se a actividade persiste dentro dos limites estabelecidos. Quantas horas de pesca de fundo são aceitáveis numa zona interdita para proteger habitats e espécies vulneráveis? Para um coral de águas profundas que já viveu 300 anos, uma rede de arrasto já é demasiado”, argumenta o director de parcerias estratégicas da organização Marine Conservation Institute.