Comissão parada há 15 meses continua à espera de diploma para tramitar queixas de racismo

Desta vez falta um diploma a aprovar os serviços de apoio à CICDR, essenciais ao processamento das queixas. Assembleia da República também ainda não forneceu instalações.

Foto
Isabel Rodrigues tomou posse a 3 de Dezembro, seis meses depois da sua nomeação Rui Gaudêncio
Ouça este artigo
00:00
04:31

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O processo tem sido demorado e, apesar de a sua presidente já ter sido empossada há mais de um mês, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) ainda não está a tramitar as queixas de racismo que se acumularam durante quase 15 meses de paragem.

A 3 de Dezembro, e seis meses depois de ter sido nomeada, Isabel Rodrigues tomou finalmente posse do cargo de presidente da CICDR, ao lado dos 32 membros da comissão alargada. Em teoria, nesse dia podia começar a tramitar as queixas que chegavam à comissão, mas não tinha – e ainda não tem – serviços de apoio.

É que a lei que regulamenta o funcionamento e a passagem da tutela da CICDR do ex-Alto Comissariado para as Migrações (ACM) para a Assembleia da República define que os serviços de apoio e respectivos recursos humanos e financeiros que irão receber e processar as queixas sejam definidos em diploma regulamentado pela AR. “Não posso contratar ninguém sem este diploma estar provado”, explica a presidente ao PÚBLICO.

Os trabalhadores antigamente afectos à CICDR, e que agora estão na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), podem vir para a CICDR por mobilidade, com dispensa do acordo de serviço de origem, mas o procedimento só pode ser lançado depois do diploma aprovado, publicado e promulgado, refere.

Nada impede que a presidente comece a analisar as queixas, mas “fazê-lo sem o apoio técnico dos serviços é um risco”, afirma. “Não é suposto a presidente tramitar as contra-ordenações sozinha, é um trabalho complexo e de grande exigência técnica. A existência de equipas de apoio é plenamente justificada.” E acrescenta: “Estamos a falar de processos que estão abrangidos pelo regime de protecção de dados e estamos a falar de um conjunto de cuidados que é preciso ter.”

Além de ser “muito difícil” tramitar queixas sem o apoio dos serviços, há outro problema: a CICDR também ainda não tem instalações para o fazer. “A Assembleia da República ainda está a tentar identificar instalações com condições, um imóvel que cumpra com os requisitos”, afirma Isabel Rodrigues, que foi secretária de Estado da Igualdade e Migrações do Governo PS. Na AR, “apresentaram-nos umas instalações que não tinham condições para acolher as 10 a 12 pessoas que vão trabalhar na CICDR”, afirmou. Será o diploma a aprovar pela Assembleia da República a definir o número de funcionários exacto com que a CICDR irá contar.

As queixas, essas, continuam, por isso, na AIMA.

Pedido de urgência

Isabel Rodrigues diz que enviou a todos os grupos parlamentares uma carta em que lembrava a importância da regulamentação da lei e pedia carácter de urgência para que ocorresse com a maior brevidade possível, de modo que a CICDR começasse a exercer a sua função.

Ao PÚBLICO, a deputada do PS Isabel Moreira, coordenadora da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para onde será levado o diploma, diz que o PS recebeu a carta e afirma que há diálogo interpartidário para um esforço conjunto de modo que o regime jurídico em causa seja apresentado o mais rapidamente possível. Não aponta, porém, um prazo.

Entretanto, as associações ainda não foram contactadas para escolherem os representantes a ingressar na comissão, mas a presidente espera que, ainda este mês, seja possível promover reuniões por tipologias de entidades trata-se de associações de imigrantes, associações anti-racistas, associações de defesa dos direitos humanos, comunidades ciganas, estruturas representativas dos trabalhadores e associações patronais. “O processo de instalação é moroso e burocrático, mas tem de ocorrer para que possa funcionar”, conclui.

Através de uma lei publicada no Diário da República há exactamente um ano 15 de Janeiro de 2024 , a direcção da CICDR passou a funcionar junto da Assembleia da República, uma alteração efectuada durante o Governo PS, do qual a actual presidente fez parte.

O ano de 2024 ficaria, assim, sem registo nem tramitação de queixas de discriminação e sem publicação do habitual relatório anual com as queixas e processos do ano anterior. De resto, os últimos dados disponíveis são de 2022 e estão citados no relatório do Observatório das Migrações: mostram que houve 88 processos de contra-ordenação instaurados em sequência das queixas apresentadas, quando em 2021 tinham sido 73 e em 2020 apenas 33 (outras entidades para as quais a CICDR envia queixas podem abrir processos). Tem havido um aumento anual de queixas, com oscilações e picos, como o que ocorreu em 2020, que teve 655 queixas, quando no ano anterior tinham sido 436 e em 2022 491. Mas há um elevado número de processos arquivados – como mostrou um estudo da Universidade de Coimbra, 80% das queixas acabaram por não prosseguir.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários