Remover PFAS da água e dos solos pode custar à Europa 1,9 biliões de euros

Descontaminar solos e águas da Europa poluídos por substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) pode custar 1,9 biliões de euros e levar 20 anos, estima um consórcio de investigação jornalística.

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No anterior trabalho de investigação do consórcio, a água da Valada do Tejo era referida como um dos pontos críticos de contaminação por PFAS em Portugal Pedro Cunha
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O montante necessário para limpar a poluição por substâncias químicas “eternas” na Europa pode ascender a cerca de 1,9 biliões, estima um consórcio de investigação e jornalismo que agrega diferentes meios de comunicação, incluindo o britânico The Guardian e o francês Le Monde.

Mesmo com tamanho investimento, a acção de limpeza de solos e reservatórios naturais de água contaminados por substâncias perfluoroalquiladas​ (PFAS, na sigla em inglês) —​ conhecidas informalmente como produtos químicos “eternos” — levaria pelo menos duas décadas. Estes compostos não se degradam facilmente, persistindo no ambiente e acumulando-se no organismo.

As PFAS constituem uma família de milhares de substâncias – o número varia entre quatro mil e 14 mil, consoante a fonte – que não ocorrem naturalmente no ambiente. Trata-se de substâncias que foram desenvolvidas em laboratório e que apresentam propriedades físico-químicas quase únicas, sendo capazes de repelir água ou gorduras e de resistir a altas temperaturas.

Estes compostos químicos são usados em diversos processos industriais e produtos de uso quotidiano. Dos tecidos antimanchas às panelas anti-aderentes, passando pelas embalagens alimentares e espumas de combate aos incêndios, são inúmeras as aplicações das PFAS.

Quanto maior a exposição a estas substâncias químicas, maior o risco de problemas de saúde humana. Vários estudos associam as PFAS a perturbações hormonais e imunitárias, cancros e impactos na saúde reprodutiva, por exemplo.

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Custos herdados

“Os alimentos e a água são as principais fontes de exposição às PFAS. O consumo de marisco também parece ser uma importante fonte de exposição. Em menor grau, o contacto com o ar, as poeiras e os produtos de consumo fabricados com PFAS, ou embalados em materiais que as contêm, são também importantes fontes de exposição”, refere esta terça-feira o Le Monde.

As PFAS estão por quase toda a parte, o que torna a tarefa de remediar solos e limpar as águas um esforço hercúleo, além de muito caro. Os valores calculados pelo consórcio são conservadores, uma vez que consideram apenas o preço da descontaminação e não os custos socioeconómicos ou a potencial sobrecarga dos sistemas de saúde.

“O cenário de custos ‘herdados’ que desenvolvemos representa o valor mínimo necessário para gerir os riscos para a saúde ambiental decorrentes de acções passadas relacionadas com as PFAS que estão hoje regulamentados”, afirmou ao The Guardian Ali Ling, da Faculdade de Engenharia da Universidade St Thomas, nos Estados Unidos.

O cálculo realizado pelo consórcio também parte da premissa que as emissões poluentes cessam imediatamente, embora se saiba que os produtos com PFAS que já foram despejados no ambiente – em aterros sanitários, por exemplo – poderão continuar a lixiviar.

Lobbying industrial

A União Europeia estava a equacionar banir toda a família das PFAS no próximo ano ou, no máximo, em 2027, o que seria uma decisão ousada e inédita no mundo. No entanto, a Agência Europeia de Produtos Químicos, apoiada pelos cinco países que propuseram inicialmente uma restrição universal desses compostos, está neste momento a considerar outras opções para utilizações específicas das PFAS.

Por outras palavras, há determinados usos que estão a ser ponderados como possíveis excepções numa futura decisão da União Europeia, como por exemplo as baterias e células de combustível, os dispositivos médicos e os semicondutores.

“A indústria está a pressionar fortemente os decisores da União Europeia, em particular a Comissão, para salvaguardar os seus lucros e os produtos com PFAS, mesmo perante provas irrefutáveis dos danos que estes compostos químicos causam à saúde e ao ambiente”, acusa Vicky Cann, investigadora da Corporate Europe Observatory, citada num comunicado da organização sem fins lucrativos.

O que é preocupante para Vicky Cann é precisamente o facto de o executivo europeu mostrar-se “receptivo” à pressão empresarial, o que levanta a hipótese de “a Comissão [liderada por Ursula] von der Leyen poder vir a dar prioridade às exigências da indústria em detrimento da protecção das pessoas e do planeta”.

Retrocesso para ambiente

Tatiana Santos, directora para a regulação de produtos químicos da organização European Environmental Bureau (EEB), acredita “é altura de acabar com a pior crise de poluição da história da humanidade e proibir os PFAS”, uma vez que estas substâncias envenenaram a nossa água, os nossos alimentos, o nosso ar e os nossos corpos, provocando crises de saúde devastadoras enquanto as indústrias fogem à responsabilidade.

“O fracasso da União Europeia no controlo dos produtos químicos nocivos está escrito no sangue contaminado de todos os europeus. Cada atraso traz mais sofrimento, doença e até mortes prematuras. Durante 70 anos, a indústria dos PFAS mentiu, ocultou riscos e deu prioridade aos lucros em detrimento das pessoas”, afirma Tatiana Santos ao PÚBLICO.

A responsável do EEB recorda que, embora o custo da descontaminação seja de biliões de euros, o preço da inacção é muito maior - em termos financeiros, morais e ambientais. A União Europeia deve liderar o mundo proibindo os PFAS, responsabilizando os poluidores e garantindo um futuro sustentável e livre de compostos tóxicos. O momento de actuar é agora. O atraso já não é uma opção”, defende Tatiana Santos.

“A restrição deve ter um âmbito de aplicação abrangente e incluir todos os mais de 14 mil produtos químicos PFAS e garantir que a indústria apresente provas de controlo e segurança para qualquer intenção de continuar a utilizar PFAS. Não deve permitir qualquer utilização de PFAS que implique a exposição humana directa, por exemplo, incluindo a utilização de PFAS em pesticidas e biocidas”, defende Sandra Jen, responsável pelo programa de saúde e produtos químicos da Aliança para a Saúde e o Ambiente (HEAL, na sigla em inglês), citada numa nota divulgada esta terça-feira.

“Quaisquer isenções à restrição devem ter limites temporais rigorosos e ser acompanhadas de requisitos de comunicação rigorosos para o operador ou a empresa”, acrescenta Sandra Jen no mesmo documento.

Trabalho anterior do consórcio

O mesmo consórcio de investigação já tinha divulgado, em 2023, o mapa europeu das PFAS. O trabalho revelava que estas substâncias tóxicas, que ainda são usadas em vários produtos comercializados, foram encontradas em águas, solos e sedimentos de vários países da União Europeia e do Reino Unido.

Portugal surgia nesse documento com nove pontos de contaminação, referentes sobretudo à presença de PFAS em reservatórios de água e distribuídos ao longo do território continental — do Minho ao Alentejo, passando pela região de Lisboa. A Directiva 2020/2184 sobre qualidade da água para consumo humano prevê apenas a monitorização de 20 tipos de PFAS, entre as milhares existentes.

Os pontos críticos de contaminação na Europa incluem aterros sanitários, estações de tratamento de esgotos, lamas de depuração, fabricantes e utilizadores industriais de PFAS e locais onde são utilizadas grandes quantidades de espumas de combate a incêndios, como aeroportos e instalações militares.

Notícia corrigida às 17h25: o valor em causa é 1,9 biliões de euros, e não 1,9 mil milhões, como anteriormente referido.