À inércia dos partidos e Governo, Aguiar-Branco responde com uma Justice Summit no Parlamento
Presidente do Parlamento pretende que da conferência possam sair já dez medidas que possam servir de base para uma “revolução cultural” na Justiça.
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O presidente da Assembleia da República vai convocar uma "reunião de trabalho sobre o futuro da justiça" com todos os agentes do sector, no Parlamento, em Fevereiro, da qual pretende que saiam "dez propostas simples", que possam "servir de base para uma revolução cultural na Justiça". O anúncio foi feito por José Pedro Aguiar-Branco no seu discurso na cerimónia de abertura do ano judicial, que adiantou que a sua iniciativa já foi concertada com o presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
"Poderíamos chamar-lhe muitas coisas. Conferência. Debate. Estados gerais. Justice Summit", enumerou Aguiar-Branco, para a qual serão convidadas as várias partes "interessadas", ou seja, os agentes do sistema judicial e os grupos parlamentares. "Será um momento para encontrarmos os pontos de convergência. Não aquilo que nos separa, mas o que nos une. As necessidades de reforma do sistema", acrescentou.
E o presidente do Parlamento adianta já dois exemplos de medidas. Na digitalização, para permitir que um cidadão ou uma empresa tenham acesso efectivo e em tempo real aos seus processos, o que "será um significativo contributo para ultrapassar uma cultura de opacidade e de incerteza, que empurra o cidadão para a descrença no Estado de direito". E na definição de "prazos razoáveis para a prática de actos processuais", com regras para todos os agentes da Justiça. "O pior que pode existir, um dos factores que maior dano causa ao prestígio da Justiça e, como tal, mais corrói a sua credibilidade, é a absoluta incerteza, ainda hoje, dos tempos da justiça."
José Pedro Aguiar-Branco, que foi ministro da Justiça durante pouco mais de meio ano no executivo de Pedro Santana Lopes, afirmou que o mundo mudou muito nas últimas décadas, mas o nosso sistema judicial "não tanto quanto o necessário". "Não é por falta de apelos, ou de discursos, ou de ideias ou de intenções. Não é sequer por falta de consenso", apontou, porque "as pessoas estão de acordo na identificação dos problemas".
"Até mesmo os partidos estão de acordo", insistiu, dando como exemplos a morosidade dos tribunais e a "importância de julgar a tempo e horas", assim como a necessidade de assegurar a igualdade no acesso à justiça em todas as regiões do país.
"Concordamos que é importante combater a corrupção sem ceder a populismos", apontou, dizendo também que o sistema judicial "deve comunicar melhor" - Aguiar-Branco foi um dos críticos do silêncio da ex-procuradora-geral Lucília Gago e lançou o desafio público para que fosse ao Parlamento - e também deve "gerar confiança nos cidadãos e oferecer previsibilidade aos investidores".
"Estamos de acordo. Estamos muito mais de acordo do que gostamos de admitir", salientou, defendendo ser preciso "transformar o acordo em políticas, a análise em acção e o diagnóstico em soluções". E depressa, avisou: "Quem não reforma, é reformado; quem não transforma, é transformado; quem não apresenta soluções torna-se parte do problema." Acrescentando ainda que isso acontece para toda a gente envolvida: "Isto é verdade na política, é verdade para os decisores, os legisladores e para os partidos. Mas também é verdade para os agentes do sector, para os sindicatos e ordens profissionais."
Com ainda outro aviso: "Os agentes da justiça não são inimigos. Não têm de desconfiar uns dos outros. Exige-se uma maior abertura e partilha entre as classes forenses."
Recorrendo à ironia, Aguiar-Branco afirma que a reforma da justiça "é a promessa política mais antiga do que o novo aeroporto de Lisboa" e este já deu alguns passos no ano passado. "Espero que, em 2025, a reforma da justiça também possa descolar", desejou.