Imaginemos uma sala de aula. Uma sala de aula barulhenta, daquelas em que quase todas as cadeiras estão ocupadas e em que o sentimento de competitividade é tão alto, entre os alunos, que alguns nem se falam, tal é a inveja. Outros atropelam-se a falar e querem ser os únicos a merecer o sorriso do Professor, que os irá brindar com notas excelentes e um suplemento no seu ego. E no canto da sala, surgem aqueles que desejam fazer amizades uns com os outros, na esperança de, juntos, poderem ajudar-se e sobressair no meio de toda a algazarra.
Agora, peço ao leitor, que me possa responder a uma breve questão: que tipo de “aluno” poderá ser a Europa nesta sala barulhenta que é o mundo? A verdade é que o sistema internacional se encontra em rápida reconfiguração e a Europa parece não conseguir encontrar a sua voz e papel, no meio do caos em que o mundo se encontra mergulhado. Como consequência, vamos perdendo poderosas parcerias com atores estratégicos, fragilizamos a nossa imagem perante os nossos adversários, quer geopolíticos, como a Rússia, quer comerciais, como a China e até os EUA e, no seguimento desta última consequência, alimentamos, indiretamente, movimentos extremistas políticos que pretendem colocar em causa o projeto europeu. Com efeito, está na hora da Europa olhar para a sua política externa de uma perspetiva estratégica, a longo prazo, criativa e audaz.
Por um lado, e apesar do novo ciclo europeu dar alguma esperança à forma como a União irá executar a sua política externa, a verdade é que a imagem que se foi consolidando pela UE a nível externo é de algum imediatismo. Parece que não há, de facto, uma política externa estratégica, constante e duradoura que possa dar a credibilidade que a UE precisa perante os outros players internacionais em tempos de incerteza como os que vivemos hoje. Exemplo disso é a forma algo confusa e pouco proveitosa como a UE agiu em relação à mais recente escalada de tensão no Médio Oriente, levando a um fraquíssimo, ou mesmo nulo, impacto na eventual e ainda inexistente resolução desta questão geopolítica.
Por outro lado, temos de ser mais criativos na forma como jogamos no tabuleiro geopolítico. É crucial potencializar as relações privilegiadas que certos países europeus têm com os países e regiões no mundo que nos podem merecer algumas relações estratégicas, nas mais diversas áreas, desde o setor agro-alimentar, ao energético e até ao diplomatico-político. Nesse sentido, dou como exemplo a excelente relação que Portugal tem com os PALOP e com o Brasil, levando ao estabelecimento de um canal único entre a Europa e o Sul Global. Se não aprofundarmos as relações com os países com quem temos uma relação privilegiada, quer pelo nosso passado histórico comum ou pela nossa aproximação geográfica e cultural, outros irão fazê-lo sem piscar os olhos.
Por fim, temos de ser mais audazes na forma como nos apresentamos ao mundo. É verdade que o mundo é, atualmente, um lugar barulhento e complexo. No entanto, a Europa tem vontade e capacidade certa para se afirmar no mundo como o deve fazer. Para isso, é crucial que consolidemos uma posição firme em relação aos restantes players internacionais, algo apenas possível com um pragmatismo concreto, que se revela não só em pomposos discursos, mas em ações reais, na construção da nossa política externa que parece, infelizmente, ainda não ser possível.
Voltando à questão inicial, espero que o leitor já possa perceber que tipo de aluno poderá ser a Europa na sala de aula barulhenta que é o mundo atual, ou pelo menos, aquela que eu pessoalmente gostaria que fosse. Pode ser o aluno que se destaca individualmente pelos seus resultados brilhantes, mas que privilegia a sua relação com os seus colegas sem a arrogância que outros alunos teriam com os seus resultados e que os auxilia quando necessário. É o aluno que é conhecido, por todos, como uma pessoa séria, criativa e pragmática. Talvez até possa ser escolhido para delegado de turma no próximo ano letivo.