Deputados moçambicanos tomam posse entre boicotes e nova onda de protestos na rua
Renamo e MDM boicotaram a tomada de posse dos deputados e deixaram a Frelimo e o Podemos a tentar normalizar uma situação que as barricadas, os pneus a arder e os disparos da polícia contrariam.
Na Assembleia da República de Moçambique iniciava-se mais uma legislatura (a nona), com a nova presidente do Parlamento, Margarida Talapa, a falar de “inclusão participativa” e de uma união de diferentes cores políticas. Mas os lugares vazios deixados pelos deputados da Renamo e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que boicotaram a sessão, e, sobretudo, as barricadas, os pneus a arder e os tiros disparados pela polícia nas ruas de Maputo, não muito longe da sede do poder legislativo, mostravam que a crise pós-eleitoral no país não está ultrapassada.
A dois dias da tomada de posse do novo Presidente, Daniel Chapo, a Frelimo e o Podemos quiseram transmitir a ideia de normalidade, de fim da instabilidade política que tem marcado o país desde as eleições de 9 de Outubro, como se tivesse chegado o tempo de trazer a oposição das ruas para o Parlamento. Só que Venâncio Mondlane, o candidato presidencial por trás dos protestos, não está disposto a entrar gentilmente na irrelevância política (reduzido apenas a um lugar no Conselho de Estado, por inerência do seu segundo lugar na corrida presidencial, e sem voz no Parlamento, pois deixou de ser deputado): neste domingo assumiu-se como Presidente de Moçambique, porque o poder é do povo e o povo decidiu, segundo ele, escolhê-lo chefe de Estado.
“O povo está cansado, é isso que nós queremos mudar”, afirmava um manifestante nesta segunda-feira, em Maputo, ao repórter da agência Lusa. “Não é a arma que muda um país, é o povo", explicava Abdul Carvalho, fazendo ressoar as palavras do seu candidato.
Mondlane convocou três dias de manifestações a partir desta segunda-feira, dia dedicado ao protesto contra “àqueles que são traidores do povo”, os deputados que tomaram posse no Parlamento, uns fingidos que se “querem assumir como representantes do povo” numa altura em “que o povo está clamando, [em] que o povo está chorando, [em] que o povo está sendo assassinado, está sendo sequestrado”.
O candidato presidencial pediu “manifestações pacíficas” para mostrar o “repúdio”, o “descontentamento” com o estado do país e “com aquilo que se quer fazer” do Parlamento e da Presidência da República, “que é colocar pessoas não legítimas, pessoas ilegais, em quem ninguém votou, que o povo não as tem no coração, e apenas são resultado da manipulação, do roubo, da fraude, da burla”.
Um contraste com aquilo que afirmou o até agora seu aliado político, o líder do Podemos (Partido Optimista pelo Desenvolvimento de Moçambique), Albino Forquilha, que tomou posse do seu cargo de deputado, tal como a bancada do partido que com os seus 43 mandatos se tornou no maior da oposição (quatro deputados do Podemos juntaram-se ao boicote). Nesta segunda-feira, esteve sozinho entre os opositores, sem os deputados da Renamo e do MDM.
“Entendemos que devíamos tomar posse porque, de facto, é muito importante o que vamos fazer”, disse Forquilha aos jornalistas à entrada do Parlamento. “Tivemos uma primeira parte, em que fizemos uma luta de não reconhecer os resultados; fizemos grandes protestos no país que se saldaram em muitas mortes, mas, depois, os resultados foram validados”, explicou o líder do Podemos. “E, agora, entendemos, pela irrecorribilidade desses resultados, mas também porque nos conformamos com a ordem constitucional, que a luta passa para uma outra etapa, a de discutir os assuntos aqui no Parlamento.”
Ao sair da Assembleia, o novo Presidente, Daniel Chapo, que toma posse na quarta-feira, fez saber da “necessidade” de os moçambicanos manterem “a paz, a estabilidade social, económica, política ao nível”, mas quem escutará um Presidente que inicia o seu mandato a partir de uma posição tão frágil, quer interna, quer externamente? Um chefe de Estado que assume o cargo com outro a dizer-se o legítimo representante do povo? Um chefe de Estado que não terá na sua posse os seus homólogos de Angola e de Portugal?
Mondlane pediu aos que saírem às ruas na quarta-feira que levem a foto do candidato presidencial em que votaram, para mostrar ao “candidato do Conselho Constitucional”, ou seja, a Chapo, quem é realmente o candidato do “seu coração”, o candidato do povo: “E aí vai ficar visível para todos nós, de facto, primeiro, a traição ao povo, segundo, o roubo do povo.” Ninguém está à espera de ver muitas fotografias de Chapo nas mãos dos manifestantes.
“A economia moçambicana está a sofrer, com o investimento internacional a ser interrompido e os países vizinhos a sofrerem um impacto negativo. Com o aumento da volatilidade, há receios de que os militares se possam virar contra o Governo”, escreve o Instituto da Paz dos Estados Unidos, num artigo em que se defende a intervenção diplomática norte-americana, usando o peso dos seus grandes investimentos, para tentar encontrar uma solução para uma crise que é vista com “preocupação”. Em Washington, teme-se que “a violência em curso possa explodir numa guerra civil”.