Crescimento da aviação europeia “irreconciliável” com objectivos climáticos, diz estudo

Aliança para a Sustentabilidade na Aviação constituída nesta terça-feira. Associação Zero, que integra aliança, defende orçamento de emissões no sector para evitar aumento “brutal” da aviação europeia

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As emissões de gases com efeito de estufa na aviação são cerca de 10% de todos os transportes Nuno Ferreira Santos
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O número de viagens aéreas na Europa poderá duplicar até 2050, antecipa um relatório da associação europeia Transport & Environment, publicado nesta segunda-feira. O documento parte de uma estimativa do tráfego aéreo feita pela Airbus e pela Boeing até 2043 na União Europeia (UE) para avaliar como vai ser a evolução do sector em termos de gastos de combustíveis e emissões de gases com efeito de estufa até 2050. O resultado é negativo e “irreconciliável” no contexto dos objectivos climáticos, defende a organização sem fins lucrativos.

“Os níveis de crescimento previstos não são compatíveis com os objectivos do Acordo de Paris”, explica por sua vez Sandra Miranda, ambientalista da associação Zero, onde se dedica à área da descarbonização da aviação. Mesmo que 42% dos combustíveis usados a meio do século sejam combustíveis de aviação sustentáveis (SAF, na sigla em inglês), o “tráfego aéreo vai aumentar de tal maneira que, em 2049, as emissões reduzem apenas 3% [face a 2019], quando devíamos atingir a neutralidade carbónica”, explica ao PÚBLICO a perita da Zero, que não esteve ligada ao novo estudo, mas fala de uma evolução “brutal”.

Se o sector realmente crescer daquela forma, as emissões em 2050 serão de 79 milhões de toneladas de dióxido de carbono, o principal gás responsável pelo aumento do efeito de estufa planetário, que está na origem das alterações climáticas. O que significa que o orçamento de carbono para o sector para evitar um aquecimento da Terra de 1,5 graus Celsius será ultrapassado já em 2026, e para evitar os dois graus será ultrapassado em 2043.

A Zero defende, por isso, a necessidade de legislação que contenha este tipo de crescimento, e vai propor isso no contexto da Aliança para a Sustentabilidade na Aviação (ASA), que será constituída oficialmente nesta terça-feira, num esforço conjunto do Ministério das Infra-Estruturas e Habitação e do Ministério do Ambiente e Energia.

A ASA foi criada por uma resolução de Conselho de Ministros, em Outubro de 2024, para o desenvolvimento de um Roteiro Nacional para a Descarbonização da Aviação (RONDA). A aliança contará com representantes do sector da aviação, desde associações de transportadoras aéreas, até representantes de aeroportos e aeródromos, além de laboratórios do Estado e instituições como a Agência Portuguesa do Ambiente, organizações ambientalistas e academia, somando cerca de meia centena de intervenientes.

“Achamos uma belíssima iniciativa criar este grupo de trabalho”, afirma Sandra Miranda. “Um roteiro deve definir metas, que devem ser compatíveis com o Plano Nacional de Energia e Clima, com o Roteiro da Neutralidade Carbónica 2050 e com as metas do Acordo do Paris”, defende a ambientalista.

Abertura para crescer

A nível da UE, a partir do início deste ano, as companhias aéreas tiveram que passar a incorporar em média 2% de SAF – os combustíveis de aviação sustentáveis – no combustível que usam nos aviões. Ao longo das décadas, esta percentagem terá de aumentar, atingindo os 42% em 2045 e 70% em 2050. Mas isso não basta, adianta a Zero. “Os voos têm de ter uma percentagem de SAF, mas a legislação não diz que só pode haver um xis de emissões, por isso há uma porta aberta para crescer”, explica Sandra Miranda. Desta forma, as emissões não são contidas.

Ao mesmo tempo, “não há a capacidade de responder a este crescimento com a quantidade de SAF necessária”, refere a ambientalista, apontando para um segundo problema. Há vários tipos de combustíveis sustentáveis, desde os biocombustíveis, como óleos de cozinha e resíduos de outras indústrias, que servem de matéria-prima para produzir novo combustível para aviões, até aos combustíveis sintéticos, como o e-querosene, produzido a partir de energia renovável que vai captar CO2 da atmosfera.

A Zero prefere a opção do e-querosene, já que os biocombustíveis podem ser produzidos de uma forma não sustentável e, ao serem necessários em grandes quantidades, há o risco de serem importados de países onde não é possível rastrear-se a sua origem. Mas mesmo o e-querosene tem limitações: se 35% do combustível for sintético em 2050, como define a legislação europeia, então seria necessária para produzir aquele combustível mais electricidade do que a Alemanha gastou em 2023.

“São necessidades enormes de energia”, adianta Sandra Miranda. “Mesmo a energia renovável é limitada, os painéis fotovoltaicos ocupam espaço, existem todos os outros sectores da economia” que também necessitam de energia, diz a ambientalista, lembrando que o sector aéreo é responsável por 2% das emissões globais e 10% das emissões do transporte.

Para evitar aquele crescimento, a Zero defende orçamentos de carbono para a aviação e para cada aeroporto, a diminuição das viagens de trabalho no contexto empresarial, rever os impostos do sector e limitar os programas para viajantes aéreos frequentes, que tornam os bilhetes mais baratos. “A legislação que hoje está em cima da mesa não é suficiente para alcançarmos os objectivos de redução de emissões em 2050”, afirma a ambientalista. “Não vamos no bom caminho.”