A tendência “soft girls” desafia décadas de igualdade de género
Nas redes sociais, multiplicam-se as soft girls, que vivem em função da família. Em tempos, a Suécia também recorreu a uma espécie de “influencers” — mas para incentivar a trabalhar.
A ideia de se tornar uma “soft girl” — uma mulher que abraça valores que são vistos como suaves, como a beleza e a vida familiar, em detrimento de uma carreira — é uma tendência emergente entre alguns influenciadores das redes sociais. As soft girls optam frequentemente por ser sustentadas financeiramente por um namorado ou marido. Desta forma, a soft girl pode ser vista como semelhante a uma aspirante a dona de casa ou “trad wife” (mulher tradicional conservadora, em português), outro papel popular nas redes sociais.
Mesmo na Suécia, um país famoso pelas políticas de igualdade de género e várias vezes em primeiro lugar no Índice de Igualdade de Género, as soft girls estão alegadamente a aumentar.
Esta realidade deu origem a um debate aceso no país, no último ano. O termo “soft girl” foi mesmo reconhecido como uma "nova palavra" por uma autoridade governamental sueca, o Instituto da Língua e do Folclore, em Dezembro de 2024.
A influência desta tendência nas redes sociais contrasta fortemente com o movimento que impediu que ser dona de casa fosse um papel comum para as mulheres na Suécia nos anos 1980, após uma campanha governamental para encorajá-las a arranjar emprego.
A dona de casa tradicional surgiu na Suécia e noutras partes do mundo em paralelo com a transição de uma sociedade rural para uma sociedade industrial. Enquanto os homens trabalhavam na indústria, cada vez mais mulheres casadas se tornavam donas de casa na década de 1930, atingindo o seu auge na década de 1950.
Na altura, nem todas as mulheres casadas eram donas de casa, mas o ideal de dona de casa florescia e estava subjacente a certos comportamentos culturais e sociais, sobretudo nas famílias da classe média. No entanto, o papel da dona de casa começou a ser questionado logo no início da década de 1960.
Mais concretamente, a sua definição estrita em função do género foi fortemente criticada por prejudicar os direitos e as oportunidades das mulheres. A par destas exigências, a crescente escassez de mão-de-obra abriu caminho a um novo entendimento da família, marcado pelos direitos sociais individuais e pela igualdade de género.
Esta transformação da família foi possível graças a várias mudanças, como a tributação individual, a introdução do seguro de licença parental, a expansão das estruturas públicas de acolhimento de crianças e as políticas activas do mercado de trabalho.
No entanto, as alterações legais não foram os únicos meios utilizados na altura. Foram também realizadas campanhas inovadoras e actividades de influência de opinião.
As campanhas na Suécia na década de 1960 foram orquestradas principalmente pela então poderosa autoridade governamental, o Conselho Nacional do Mercado de Trabalho (AMS). Para chegar às donas de casa, os funcionários públicos que trabalhavam na AMS desenvolveram e lançaram várias campanhas de grande visibilidade.
Eram transmitidas na televisão e na rádio e publicadas em jornais nacionais e locais. Um exemplo foi o programa de rádio Hemmafru Byter Yrke (A Dona de Casa Troca de Emprego), no qual as donas de casa podiam ficar a saber mais sobre as possibilidades de um emprego remunerado.
Inspectores de activação
Para tornar ainda mais atractivo o regresso das donas de casa ao trabalho, a AMS criou também um cargo de funcionário público especialmente concebido para o efeito, o de inspector de activação. Estes inspectores foram incumbidos de informar as donas de casa sobre a vida profissional a nível local e de "influenciar e modificar" as opiniões negativas e os preconceitos em relação às mulheres que trabalhavam.
Estes inspectores de activação foram efectivamente os influenciadores da década de 1960. Trabalhavam em estreita colaboração com os centros de emprego locais, mas também através do contacto directo com as mulheres. Utilizavam locais públicos para informar, como os átrios dos cinemas ou centros comunitários, oferecendo frequentemente uma chávena de café enquanto discutiam a melhor forma de as mulheres entrarem no mercado de trabalho. Até ir de porta em porta foi um método utilizado para chegar às donas de casa.
O argumento era simples. Um trabalho remunerado contribuía não só para o crescimento pessoal, mas também para a independência económica e liberdade da mulher e, em última análise, para uma vida melhor. Uma sociedade construída sobre estas premissas beneficiava o bem-estar de todos os cidadãos, argumentavam, e era um pré-requisito para um Estado-Providência próspero.
Como demonstrou a minha investigação, muitas donas de casa hesitaram quando foram abordadas pelos inspectores de activação. Interrogavam-se se poderiam corresponder às expectativas que lhes eram colocadas pelo facto de terem um emprego.
Mas a maioria das mulheres acabou por começar a trabalhar. Ter o seu próprio rendimento e não estar dependente do marido parece ter-se tornado mais atractivo do que ser dona de casa.
É difícil determinar exactamente quantas mulheres entraram no mercado de trabalho devido a estas campanhas. O que sabemos é que em 20 anos, entre 1960 e 1980, a dona de casa quase desapareceu e foi substituída por uma mulher com um emprego remunerado. Isto sugere que os influenciadores, em combinação com as políticas adoptadas, podem ter sido muito bem-sucedidos.
Lições para hoje
Actualmente, na Suécia, as mulheres e os homens trabalham quase o mesmo número de horas. E a maioria das mulheres jovens continuará provavelmente a seguir uma carreira profissional.
Mas continua a ser importante debater de forma crítica as razões que levaram ao aparecimento da tendência das soft girls. Na Suécia, continuam a existir muitas desigualdades entre homens e mulheres, incluindo diferenças no rendimento, a segregação do mercado de trabalho e o facto de as mulheres assumirem a maior parte das responsabilidades de tarefas não remuneradas. Algumas mulheres sentem-se, provavelmente, cansadas de fazer tudo isso.
Mas a solução não passa necessariamente pelo afastamento das mulheres do mercado de trabalho. A alternativa seria colocar ainda mais pressão sobre os homens para que assumam as responsabilidades e tarefas domésticas.
Os empregadores poderiam também ser pressionados a assumir mais responsabilidades, oferecendo melhores condições de trabalho. O facto de as mulheres estarem a lutar não significa que a igualdade não seja benéfica — significa que ainda não temos igualdade.
Talvez seja altura de activar alguns dos argumentos dos influenciadores dos anos 1960, para ir ao encontro dos argumentos apresentados pelas soft girls. Ser uma mulher independente continua a ser um ideal pelo qual se deve lutar.
Exclusivo P3/The Conversation
Åsa Lundqvist é professora de Sociologia na Universidade de Lund