Dias comemorativos inventados, reais e naturais
A voracidade desta sociedade consumista é tal que até para com os dias comemorativos reais (por exemplo, o nosso aniversário) pressionam as pessoas para o consumo e exibicionismo.
A maioria dos dias comemorativos que se celebram em Portugal é inventada pela sociedade de consumo que nos consome. Vejamos alguns exemplos. Inventaram o Dia da Mãe, o Dia do Pai e o Dia dos Avós. Umas semanas antes de cada um desses dias, iniciam a campanha publicitária para que os descendentes não se esqueçam de comprar lembranças. Considero que não são Dias Comemorativos, mas Dias de Consumismo, com ofertas de lembranças materiais, a maioria delas desnecessárias ou inúteis, flores e doçaria em quantidades exorbitantes. Devo dizer que no Dia do Pai e no Dia dos Avós os meus descendentes não só não me oferecem nada, por saberem que não tolero esse consumismo, como, também, nem me telefonam. Magoado ficaria eu se eles só se lembrassem de mim apenas nesses dias. O famigerado Dia dos Namorados é um dos mais aproveitados para consumismo inútil.
Até nos dias comemorativos dedicados à natureza e ao ambiente, o consumismo e o exibicionismo estão presentes. Por exemplo, no “Dia da Árvore ou da Floresta” não só lembram as pessoas para comprarem uma árvore e plantarem-na (geralmente mal e em local impróprio), como os políticos e governantes aproveitam para se exibirem a plantar uma árvore, sem nunca antes terem feito nada pela conservação da natureza.
Alguns dias comemorativos inventados nem se comemoram simultaneamente em todo globo, como, por exemplo, o Dia de Ano Novo. Quando o foguetório, poluente e ruidoso, começa na Madeira, já os neozelandeses e australianos estão a dormir, mais ou menos alcoolizados.
A voracidade desta sociedade consumista é tal que até para com os dias comemorativos reais (por exemplo, o nosso aniversário) pressionam as pessoas para o consumo e exibicionismo. Damos apenas um exemplo. Para o dia comemorativo do 25 de Abril, é ampla a propaganda para se comprarem cravos vermelhos, camisolas e cachecóis, que muitos aproveitam para se exibirem, como sendo democratas, mas não o sendo na realidade.
Os dias comemorativos naturais, como são, por exemplo, os solstícios e os equinócios, não só não os comemoramos, como a maioria da população humana nem sabe o que são estas ocorrências astronómicas. Porém, a maioria dos animais e até das plantas não só dá por esses fenómenos, com também altera funções fisiológicas e até muda de habitats e regiões. Todos sabemos que grande parte das aves migra. Para isso, as aves guiam-se por acontecimentos astronómicos.
Referimos apenas o extraordinário exemplo da andorinha-do-mar-árctica (Sterna paradisaea). Estas aves iniciam a sua fase migratória da região árctica-subárctica, para a correspondente região no hemisfério Sul quando os dias começam a ficar mais curtos nas regiões boreais (solstício de Junho), partindo em direcção ao círculo polar antárctico, onde os dias começam a crescer, percorrendo entre 70.000 a 90.000 quilómetros. No solstício de Dezembro, iniciam a migração no sentido inverso, da Antárctida para o Árctico.
Como as plantas não se movem, estas ocorrências astronómicas são “celebradas” fisiologicamente, como é, por exemplo, a floração “equinócica” nas regiões temperadas do hemisfério Norte (equinócio de Março) e do Sul (equinócio de Setembro).
Nos animais, também há casos de alterações fisiológicas, como, por exemplo, o urso-polar (Ursus maritimus) que hiberna, durante o Inverno árctico e os peixes-pulmonados (dipnóicos) que estivam durante a época seca do Verão.
Claro que não colaboro com tal farsa dos dias comemorativos, particularmente dos inventados, e nunca estou presente nas respectivas manifestações, muito a gosto dos exibicionistas. Até já escrevi sobre o tema, não só no PÚBLICO (“A farsa dos dias comemorativos”, em 1998; e “A Árvore nacional, uma farsa em Portugal”, em 2023), como noutras publicações (“O Ano da Biodiversidade e a farsa das datas comemorativas”, na revista Parques e Vida Selvagem, em 2010).
Mas, como é habitual, não me apercebi de que a publicação destes textos tivesse contribuído como alertas para o exagerado consumismo e que as manifestações dos exibicionistas tivessem diminuído de alguma maneira. Basta, para exemplo, o que se passou nesta época comemorativa de Natal e de Ano Novo. Não costumo ver televisão, mas dediquei grande parte desta época a ver TV1, TV2, SIC e TVI. Todas foram constantes e pressionantes na propaganda ao consumismo, comida, guloseimas, bebidas e poluição sólida, luminosa, sonora e gasosa.
Para culminar, as mensagens de Ano Novo do Presidente da República e a do primeiro-ministro, nem uma palavra sobre as alterações climáticas, um problema gravíssimo para a vida nesta “Gaiola” em que vivemos. Apena o secretário-geral das Nações Unidas aproveitou para, mais uma vez, referir a ineficácia de todos os governantes mundiais. Mas a ONU, não sendo uma organização democrática (basta haver o direito a veto) tem sido ineficaz, até nas actuais guerras e nos acordos estabelecidos nas Conferências das Partes (COP), que são encontros das nações que pertencem à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (estabelecida em 1992, no Rio de Janeiro). As COP começaram, praticamente, em 1995 em Berlim e em Novembro deste ano decorrerá em Belém (no Brasil) a 30ª, para, mais uma vez, se certificarem de que não cumpriram os acordos anteriores.
Consideramos que somos a espécie mais inteligente desta “Gaiola”, mas tão estúpida, que é a única que está a provocar a destruição do ecossistema em que vive; o globo terrestre era limpo (havia reciclagem natural) e atmosfera respirável, antes de surgirmos nesta “Gaiola”.