Dirigentes da esquerda na manifestação pedem sociedade portuguesa “sem divisões”
Representantes de partidos de esquerda integraram manifestação contra o racismo e a xenofobia em Lisboa, alegando a necessidade de respeitar valores como a liberdade e a democracia.
Alexandra Leitão, do PS, a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, e João Ferreira, do PCP, e Rui Tavares, do Livre, são quatro das muitas pessoas que esta tarde se concentram em Lisboa numa manifestação contra o racismo e xenofobia, denominada "Não nos encostem à parede", em protesto contra a actuação da polícia na zona do Martim Moniz que visou imigrantes. A manifestação teve início pelas 15h junto à Alameda e termina no Martim Moniz.
Na sequência da intervenção da PSP no dia 19 de Dezembro na rua do Benformoso, perto do Martim Moniz, em Lisboa, e das imagens de dezenas de imigrantes encostados às paredes dos prédios, para serem revistados, vários activistas de esquerda e uma centena de organizações subscreveram um apelo contra a actuação das forças policiais junto das periferias e dos imigrantes.
Em directo para a RTP, Alexandra Leitão, do PS, começou por dizer que o protesto não é “contra ninguém”, mas sim pela “defesa dos valores da democracia e do Estado de Direito”. “Liberdade, igualdade, dignidade da pessoa humana, não-discriminação e também segurança. O Partido Socialista não está aqui contra ninguém, está aqui a defender estes valores, que são o chão comum da nossa democracia, e todos aqueles que se revêem nesses valores, que são a base do regime democrático português, devem estar aqui."
Alexandra Leitão fez questão de sublinhar que esta não é uma manifestação contra a polícia, que referiu ser uma “instituição fundamental da democracia e do Estado de Direito”. “Por isso mesmo não pode, nem deve, ser instrumentalizada no discurso político, por discursos que dividem, artificiais, que não fazem nada para resolver os problemas dos portugueses. Polícia de proximidade, videovigilância, iluminação pública, isso é que combate a insegurança e não operações que têm outra função", disse.
Já a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, defendeu que o que une vários partidos nesta manifestação “é o orgulho do anti-racismo” e “a coragem da solidariedade nos momentos mais difíceis”. “É por isso tão importante estarmos aqui com comunidades de imigrantes, com associações de imigrantes, com outros partidos políticos, com pessoas que se querem juntar nesta celebração”, afirmou.
Questionada sobre a vigília promovida pelo Chega, a líder do BE contrapôs que o centro deste dia deve ser “a capacidade de uma democracia para se unir”, dizendo não querer falar de outros protestos. “O único receio que devemos ter é o receio de ficar calados, em silêncio. É o receito do medo. Quem tem a coragem da solidariedade, quem tem orgulho nessa posição de união, de antifascismo, de solidariedade, de democracia, não tem receito de nada, porque a democracia é tudo o que vale a pena defender”, afirmou.
Pelo PCP, João Ferreira alertou que a “instrumentalização, por parte do poder político, das forças de segurança é um perigo” para a população, para os próprios agentes e para a democracia. “Quando essa instrumentalização é feita para voltar grupos da população uns contra os outros, mais perigoso se torna ainda, porque hoje é contra uns e amanhã será contra nós todos”, referiu o dirigente do PCP.
Rui Tavares, do Livre, também presente na manifestação, referiu que “Portugal é um país que está no seu melhor quando temos entreajuda, quando somos bons vizinhos, quando somos bons colegas de trabalho, bons amigos".
"O que queremos fazer com esta manifestação, de diferentes partidos políticos, diferentes associações, diferentes sindicatos, pessoas que vêm de lugares diferentes é dizer que estamos unidos, estamos mais fortes contras as ameaças dos Trumps, dos Putins, dos Xis Jinpings, dos Elon Musks, de todos aqueles que querem lucrar com o ódio".
Activistas de extrema-direita ocupam espaço da manifestação
Uma hora antes do início da manifestação agendada pelo movimento "Não nos encostem à parede", um grupo de activistas de extrema-direita ocupou o lado poente da Alameda, em Lisboa, para onde estava agendado o protesto contra a actuação da PSP. Espaçados, com faixas e grandes bandeiras de Portugal e da sigla partidária, os apoiantes do partido Ergue-te e do movimento Habeas Corpus ocuparam uma área substancial do espaço.
Esta tarde, ao ver o aparato do partido de extrema-direita, um casal de idosos comentou à Lusa a tensão existente. "Estes só vêm aqui provocar. Eu nem sou contra ou a favor da polícia, mas estes só estão aqui para provocar", afirmou Afonso Sousa, reformado da função pública.
À chegada à Praça da Figueira, pelas 16h, André Ventura justificou a concentração como “resposta” à manifestação organizada da esquerda que, disse, “é uma manifestação de um país que não queremos, contra as operações policias que as autoridades têm que levar a cabo". "Eu quero viver num país em que os criminosos têm todos os direitos e os cidadãos comuns não têm nenhum e têm que levar com os criminosos", disse.
O líder do Chega acusou a esquerda de “hipocrisia tremenda” por criticar agora a polícia, mas "há uns anos" nada dizer sobre operações de rua semelhantes também no Martim Moniz. “Há um país que ficou meio esquizofrénico com esta questão”, salientou. “Gostava que muitos destes líderes de esquerda, quando estiverem com problemas, em vez de chamarem a polícia, chamem o Batman, o Super-homem ou alguém que venha com cravos vermelhos para resolver os assaltos às casas, a violação das namoradas ou dos namorados e os ataques à propriedade”, ironizou. Afirmou que “os crimes relacionados com droga aumentaram, em 2023, cerca de 20%”, sem citar a fonte.
O local escolhido para a concentração do Chega, a poucas centenas de metros da outra manifestação e numa área habitada por muito imigrantes, é para mostrar que não há nenhum “receio” e para passar três mensagens, vincou o presidente do Chega. “Sejam imigrantes ou não, têm que cumprir a lei; a polícia, se entender, deve fazer operações mais musculadas (…). Precisamos de um país que se preocupe mais com os cidadãos comuns e menos com os bandidos”. André Ventura disse que na concentração estarão muitos moradores para dizer que “não querem viver ao lado de crimes com armas brancas, de assaltos”, como acontece no Martim Moniz, replicando o argumento dos crimes ocorridos no Benformoso, dado pela PSP para a intervenção de Dezembro.
“Por que é que não há uma operação policial só porque é uma zona de imigrantes? (…) Já vimos operações policiais com pessoas encostadas à parede em Alcântara, no Cais do Sodré, já vimos no Porto, Gaia, Matosinhos, em Ponta Delgada. Já vimos operações destas em todo o lado, por que é que no Martim Moniz não se pode fazer? Porque eles são mais escuros ou menos escuros? Porque são do Bangladesh, da Índia, do Paquistão?”, insurgiu-se Ventura.
Mas, logo a seguir, quando questionado se estava a fazer a ligação entre insegurança e imigração, dizer que não estava a falar de imigrantes e crime, mas sim de “criminosos”, que têm que ser “postos na cadeia”. “Tem que haver rusgas onde tiver que haver rusgas, seja na Lapa ou no Martim Moniz". Com Lusa