O teu telemóvel está a ouvir-te? Sim, mas provavelmente não é para direccionar anúncios

A teoria de que o teu telemóvel te está a espiar provavelmente não é verdadeira, mas a paranóia é justificável.

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Quase todos nós já sentimos uma pontada de paranóia ao pensar que o nosso telemóvel está a ouvir-nos.

Talvez tenhas falado com o teu cônjuge durante o jantar sobre comprar uns novos patins de gelo para o teu filho e, no dia seguinte, vês um anúncio de patins, aparentemente do nada. Ah! O teu telemóvel estava a ouvir para te mostrar esse anúncio?

Na semana passada, tivemos mais combustível para alimentar esses receios quando a Apple acordou pagar para arquivar um processo com cinco anos que alegava que a Siri gravava as conversas das pessoas sem o seu conhecimento para lhes mostrar anúncios relacionados. Um dos queixosos afirmou que a Siri era a responsável pelos anúncios que viu sobre um procedimento cirúrgico específico depois de o ter discutido com um médico.

A Apple defendeu que "os dados da Siri nunca foram utilizados para criar perfis de marketing e nunca foram vendidos a ninguém para qualquer fim".

A teoria de que os teus dispositivos estão a ouvir as tuas conversas para apresentar anúncios direccionados provavelmente não é verdadeira. Mas a verdade pode ser ainda pior.

Os assistentes de voz, os chatbots com IA, o teu carro e muitos sites e aplicações registam a tua actividade, a tua localização, a tua voz e os teus vídeos a partir do interior da tua casa — por vezes sem o teu verdadeiro consentimento — e utilizam essas informações para fins publicitários ou outros fins que não esperas.

Porque é que os teus dispositivos (provavelmente) não são espiões de publicidade

Durante anos, o professor da Northeastern University David Choffnes ajudou a analisar a frequência com que as aplicações dos nossos telemóveis e os assistentes de voz captam áudio sem o nosso conhecimento e se as gravações dos microfones dos aparelhos são utilizadas para direccionar a publicidade.

Embora não exclua completamente a possibilidade, Choffnes diz que as probabilidades de que um anúncio que vês provenha dos microfones do teu dispositivo “são reduzidas”. É difícil provar exactamente o que se está a passar, mas Choffnes refere que as empresas recolhem milhares de informações e não precisam de te espiar para saberem tudo sobre ti.

"Têm uma imagem tão profunda de nós como indivíduos, mais do que a ouvir qualquer conversa", aponta.

N hipotética conversa ao jantar, talvez tu não tenhas pesquisado patins de gelo na Internet depois da conversa, mas o teu cônjuge fê-lo através da vossa rede Wi-Fi partilhada. Talvez as aplicações do teu telemóvel tenham registado o tempo que passaste dentro ou perto de um ringue de patinagem. Os anunciantes também podem ter comprado informações sobre a idade das crianças do teu agregado familiar. Todas essas informações podem ser utilizadas para te mostrar anúncios de patins para crianças.

Se alguma vez clicaste numa explicação sobre o motivo pelo qual estás a ver um determinado anúncio online, a informação é normalmente tão vaga que não responde a nada. Não admira que tires conclusões assustadoras.

"Quando escondem esta informação, desenvolvemos ideias sobre como chegaram a nós", afirma Jason Kelley, director de activismo da Electronic Frontier Foundation, um grupo de defesa dos consumidores.

Se ainda acreditas que o teu microfone deve ser a fonte de anúncios, talvez isto ajude: especialistas afirmam que, se o teu telemóvel estivesse sempre a ouvir, a bateria iria esgotar-se rapidamente, e as empresas não gastariam os rios de dinheiro que custaria estar a ouvir constantemente.

Mas não se deve confiar nas empresas

As empresas quase nunca são francas sobre como funciona a publicidade digital, o que estão a fazer com toda a informação que recolhem sobre nós ou quando os humanos estão a observar e a escutar sistemas supostamente automáticos.

A acção judicial que a Apple concordou em chegar a acordo teve início com a divulgação de notícias, há mais de cinco anos, de que os trabalhadores estavam a ouvir trechos de áudio gravados pela Siri, pelo assistente de voz Alexa da Amazon e pelo Google Assistant, e de conversas áudio de pessoas na aplicação Messenger da Meta. (O fundador da Amazon, Jeff Bezos, é proprietário do The Washington Post).

Em alguns casos, os assistentes de voz ligavam-se e gravavam áudio sem que as pessoas os activassem.

A Apple disse esta semana que resolveu o processo "para evitar litígios adicionais” e para que pudesse avançar daquilo que reconheceu em 2019 serem análises humanas de uma pequena fracção de trechos de áudio das interacções das pessoas com a Siri.

A Apple e outras empresas afirmaram que podem ter humanos e computadores a rever transcrições de áudio e texto das interacções com o assistente de voz para verificar a precisão da tecnologia. (Lê mais abaixo sobre como ter mais controlo sobre a Siri).

Numa investigação publicada em 2020, Choffnes e a sua equipa descobriram que, na maioria das vezes, os assistentes de voz não eram activados quando não deviam. E quando o faziam, as gravações enviadas para as empresas de tecnologia eram normalmente de apenas alguns segundos de áudio.

Ainda assim, é inquietante pensar que está a ser gravado um áudio nosso, sobretudo quando o assistente de voz se liga por engano. Também não é razoável esperar que humanos ouçam esses trechos de áudio —ou que assistam a vídeos íntimos captados por aspiradores robots a partir do interior da nossa casa.

Não é de admirar que te sintas paranóico com o facto de os teus aparelhos estarem a espiar-te. O comportamento das empresas tornou-nos desconfiados.

Como exercer mais controlo sobre a Siri

Para evitar a activação acidental da Siri, considera alterar ou desactivar a palavra que a “acorda”.

Abre as Definições no teu dispositivo Apple → Siri → Falar com a Siri. Escolhe a opção "Olá, Siri" em vez de apenas "Siri", já que esta pode accionar o assistente se disseres uma palavra que soe de forma semelhante.

Ou escolhe a opção "Desligar". Desta forma, a Siri não será activada com a tua voz. Se quiseres utilizar a Siri de vez em quando, alguns iPhones podem ter a opção "Premir o botão lateral para a Siri". Mantém o botão na extremidade do iPhone premido durante um segundo para activar a Siri.

Escolhe se pretendes que os humanos analisem potencialmente trechos de áudio das tuas interacções com a Siri

A Apple pede o consentimento do utilizador, normalmente quando começas a utilizar a Siri pela primeira vez, para que os funcionários possam ouvir trechos de áudio das interacções da Siri para obter precisão — ou aquilo a que a Apple chama "melhorar a Siri e o ditado".

Podes alterar a definição em qualquer altura nas Definições do dispositivo Apple → Privacidade e segurança → Análises e melhorias. Escolhe a opção "Melhorar a Siri e o Ditado" até o botão mudar de verde para cinzento.

"Utilizamos os dados da Siri para a melhorar e estamos constantemente a desenvolver tecnologias para tornar a Siri ainda mais privada", afirmou a Apple.

mais na EFF sobre as medidas de privacidade que podes escolher, incluindo impedir que as aplicações do teu telemóvel acedam ao microfone do dispositivo.

E para uma maior protecção da privacidade, descarrega o suplemento do browser da EFF que impõe limites às empresas que controlam tudo o que fazes. Ou muda o teu browser para o Firefox, Brave ou DuckDuckGo, que têm fortes políticas de protecção de privacidade.

Também é importante lembrar periodicamente que os defensores da privacidade do consumidor garantem que estarias mais protegido se houvesse melhores (ou quaisquer) leis nacionais que impedissem as empresas de recolher, partilhar e utilizar dados sobre ti.


Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post

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