A oportunidade perdida no debate sobre segurança

A responsabilidade do governo e da oposição não é minimizar ou exagerar os dados, mas sim enfrentá-los com maturidade.

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No dia 7 de Janeiro, a Assembleia da República reuniu-se para discutir o estado da segurança em Portugal, num debate de urgência proposto pelo Chega. A expectativa era alta, dada a relevância do tema e a crescente percepção de insegurança entre os portugueses. Contudo, o que se seguiu foi uma troca de acusações, generalizações e aproveitamento político, que deixou muito por dizer sobre um problema que exige atenção séria e responsável.

O debate começou com o líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, a apresentar uma visão alarmista da segurança em Portugal. Albufeira foi destacada como a cidade com o maior índice de criminalidade, com o líder parlamentar a sugerir que essa situação se devia à elevada presença de imigrantes no concelho. Esta tentativa de criar uma relação entre imigração e criminalidade é infundada e perigosa. Albufeira regista, de facto, 92,6 crimes por 1000 habitantes, mas os delitos mais comuns estão ligados ao vandalismo e a ameaça à integridade física – muitas vezes perpetrados por turistas. Além disso, Albufeira não é a cidade com maior número de imigrantes no país, desmentindo completamente a tese apresentada.

Este tipo de abordagem não só é irresponsável, como prejudica qualquer tentativa de um debate sério sobre segurança. A instrumentalização de dados e a manipulação de factos para alimentar narrativas populistas criam uma percepção de insegurança que vai além da realidade. Pior ainda, promove divisões desnecessárias numa sociedade que precisa de união, especialmente em tempos de desafio.

Houve momentos no debate em que se tentou recentrar a conversa naquilo que importa: os factos. O anterior Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, apresentou dados que mostram que a criminalidade, em termos gerais, foi mais elevada em anos anteriores como 2003, 2005 e 2013 do que em 2023. Estes números demonstram que Portugal não está a enfrentar uma crise de segurança sem precedentes, como algumas narrativas sugerem. Além disso, Carneiro destacou que Portugal não está na rota principal de imigração, o que contraria as ideias de uma “invasão” que têm sido repetidas sem fundamento.

Ainda assim, mesmo estas intervenções falharam em abordar o problema de forma completa. É verdade que a criminalidade tem vindo a aumentar em algumas áreas, e ignorar este facto é negligente. A responsabilidade do governo e da oposição não é minimizar ou exagerar os dados, mas sim enfrentá-los com maturidade. A segurança é um tema sensível, que preocupa a população, e fugir da discussão ou transformá-la num palco de retórica política é um erro. Discutir a segurança de forma séria não significa ceder a narrativas populistas. Não significa aceitar que a imigração está na raiz do problema, porque os factos mostram que não está. Mas também não significa ignorar o aumento da criminalidade onde ele existe.

É a hora de enfrentar os desafios com coragem e responsabilidade. Não podemos permitir que a segurança se torne refém de narrativas populistas ou de silêncios que deixam dúvidas no ar. Precisamos de clareza e união para mostrar que discutir este tema não significa ceder a mentiras ou assumir culpas que não existem, mas sim agir com a seriedade que o momento exige. A insegurança, ainda que amplificada por percepções erradas, é uma preocupação real para a população em geral. Debatê-la com honestidade e dados concretos é o único caminho para reconquistar a confiança de quem espera respostas claras e eficazes.

O debate do dia 7 foi um passo em falso, mas isso não precisa de definir o futuro. Portugal tem condições de avançar e construir um discurso público baseado em factos e em soluções que protejam todos os cidadãos. O momento exige maturidade, transparência e a vontade de ir além da divisão, porque apenas unidos conseguiremos combater os desafios e encontrar o equilíbrio entre a segurança e os valores que defendemos como sociedade.

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