Com novas regras para a CPLP, imigração deve ganhar impulso. Mas é preciso cuidado

Empresários e especialistas em migrações alertam para riscos daqueles que se mudarem para Portugal sem o devido preparo. Brasileiros poderão entrar no país sem visto e pedir autorização de residência.

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Setor da construção civil enfrenta escassez de mão de obra em Portugal, mas salários no Brasil podem ser maiores Público
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As mudanças promovidas pela Assembleia da República na Lei de Estrangeiros (23/2007), que favorecem os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em especial os brasileiros e os timorenses, tendem a ampliar a oferta de mão de obra em Portugal. Há setores enfrentando forte escassez de trabalhadores, sobretudo, os da construção civil e do agronegócio. A perspectiva é de que, tão logo o novo texto da legislação seja sancionado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o fluxo de imigrantes da CPLP para o território luso ganho novo fôlego. Mas empresários e especialistas em imigração alertam: é preciso se planejar muito bem antes de deixar o país de origem rumo a Portugal.

“Não há dúvidas de que os cidadãos da CPLP serão importantes para preencher as vagas de trabalho que estão abertas em Portugal, sobretudo, os brasileiros, pela enorme facilidade de adaptação. Porém, mudar de país exige um bom preparo, pois o risco de frustração é elevado”, diz o empresário Fábio Mazza. O alerta dele ganha força porque, com as alterações na Lei de Estrangeiros, as pessoas oriundas do Brasil e do Timor-Leste poderão entrar em Portugal e, já no país, pedirem a autorização de residência. “Mas essa facilidade deve ser avaliada com muito critério, ou seja, só devem emigrar para Portugal aqueles que realmente tenham condições de se manter no país”, complementa.

A mesma recomendação é feita por Nuno Coelho, diretor da promotora Overseas, do mercado imobiliário. “Não existe terra encantada. Trocar um país pelo outro requer muito cuidado. De que adianta ter facilidade para entrar em Portugal, mas ficar numa situação de vulnerabilidade, às vezes, pior do que a do país de origem?”, questiona. Ele ressalta que, quando estão em situação de fragilidade, imigrantes acabam aceitando subempregos, com salários insuficientes para bancar sequer despesas básicas, como alimentação e moradia. “Infelizmente, há pessoas que se aproveitam dessa vulnerabilidade. Portanto, é importante não se iludir de que a vida será melhor em Portugal do que é no país de origem”, frisa.

Coelho, que também tem empresas no Brasil, diz que, assim, como em Portugal, há escassez de mão de obra em vários setores da economia brasileira. “E temos de considerar que, no Brasil, há muito mais oportunidades de trabalho, e, em determinadas profissões, os salários são maiores do que em Portugal”, assinala. “No caso de um bom mestre de obra, as empresas estão pagando, em média, R$ 15 mil (2,3 mil euros) por mês no Brasil. Em Portugal, é mais difícil encontrar um salário como esse”, enfatiza. “Esse tipo de comparação deve ser levado em conta na hora de se decidir mudar de país”, emenda.

Muitos problemas

Fábio Mazza recomenda que, seja com visto de procura de trabalho, seja como turista para depois requerer a autorização de residência, os brasileiros precisam fazer bem as contas para ter a certeza de que, com um salário em Portugal, terão condições de cobrir todos os gastos. “Há tributos, contribuição à Segurança Social, custos com moradia, alimentação, transportes, saúde e educação, entre outros. Muita gente não leva esses dados em consideração na hora de emigrar. Por isso, é importante se informar, se preparar, conferir se realmente a nova vida significará uma melhora em relação à do Brasil”, destaca. “Ser imigrante não é fácil, mesmo para aqueles que trocam de país em condições mais favoráveis”, emenda.

Especialista em imigração, Fábio Knauer, CEO da Aliança Portuguesa, reforça a importância do planejamento por parte daqueles que desejam emigrar. São muitos os relatos de pessoas que venderam o pouco que tinham no país de origem e se mudaram para Portugal. Em pouco tempo, o dinheiro acabou e foi preciso buscar ajuda para retornar às origens. “O paraíso não existe. De nada vale facilidade para se entrar em um país se não houver como se sustentar”, afirma. Nuno Coelho endossa: “Antes de se pensar no que pode dar certo como imigrante, é preciso se focar nos problemas a serem enfrentados, que são muitos”.

Para António Fiúza, presidente da Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria do Rio de Janeiro, as facilidades aprovadas pelo Parlamento de Portugal relacionadas aos cidadãos da CPLP representam um avanço significativo na integração e na cooperação entre os países membros. “Mas se, por um lado, essas ações incentivam o intercâmbio de talentos, investimentos e oportunidades de trabalho, promovendo o desenvolvimento conjunto, por outro, há desafios como o de garantir que essas facilidades sejam implementadas de forma equitativa e eficiente, respeitando as legislações locais de cada país e evitando tensões sociais ou políticas”, ressalta. Há países da Europa, incluindo Portugal, em que movimentos anti-imigração têm disseminado a xenofobia.

Para entrar em vigor, as alterações na Lei de Estrangeiros ainda têm de percorrer um bom caminho. A proposta aprovada pelo Parlamento em dezembro passado retornou para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde o debate começou. Será preciso uma redação final do texto para, então, ser remetido à apreciação do Presidente da República, que terá 20 dias para sancioná-lo. Nos primeiros oito dias, ele poderá pedir a avaliação do Tribunal Constitucional para saber se tudo está nos conformes. Depois da sanção, o texto será publicado no Diário da República.

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