“Vamos abrir mais um centro de acolhimento temporário para sem-abrigo em Lisboa”
Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa revela que novo centro de acolhimento será em parceria com a Câmara de Lisboa, terá a capacidade para cerca de 45 pessoas e deve abrir em Fevereiro.
Na entrevista ao PÚBLICO/ Renascença, Paulo Duarte de Sousa, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), revela que as previsões das receitas dos jogos sociais para 2024 apontam para resultados superiores a 3100 milhões e que não está nos planos desistir do Placard.pt. Paulo de Sousa disse também que o hospital da Cruz de Vermelha tem condições para ser uma operação na área da saúde, de referência, e que não tem que ser necessariamente deficitário.
Como é que está a ser a evolução das receitas de jogo, uma vez que representam cerca de 80 % das receitas totais?
Houve uma mudança clara do paradigma ao nível do jogo em Portugal e não só. Hoje, os jogos sociais de Estado, explorados pela Santa Casa, representam apenas cerca de 15 % do total do jogo em Portugal. E isso quer dizer que o crescimento do jogo online foi brutal nos últimos anos.
E fatal para a estratégia da Santa Casa?
Eu não diria fatal.
Mas provocou uma queda?
Provocou, claro. A pandemia trouxe uma alteração no perfil de compra do consumidor: pelo facto de não poderem ir aos mediadores passaram a fazer as suas apostas através de portais online e aplicações. Houve entretanto uma recuperação, mas não para os valores pre-pandemia.
Qual é a receita prevista para 2024?
Temos uma receita prevista de jogos para 2024 superior a 3.100 milhões de euros. Mas o que é importante é que nessa área foram introduzidas já um conjunto de alterações de modo a ter distribuição constante de novo jogo. Isso é determinante para o sucesso da venda. Neste momento temos 78% da rede de mediadores já com os novos terminais, mais sofisticados, com capacidades acrescidas na área do jogo responsável.
Qual vai ser a estratégia para concorrer, por exemplo, com o online?
O segredo é o sucesso do negócio, seria estranho desvendar quais as novidades que vão existir.
Mas vai haver novidades para 2025?
Esse é o nosso compromisso.
A Santa Casa tem uma empresa de jogo online. Qual é a performance desta empresa? A quota de mercado é significativa? Vale a pena mantê-la?
Estamos a falar do Placard.pt. Acho que ocupa o seu espaço no mercado. É relevante em termos de volume de negócio. É uma parceria que temos com a União das Misericórdias. É para manter, talvez até para melhorar.
A Santa Casa está a fazer mais protocolos com o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social. A Santa Casa não fica mais dependente do Estado e não implica um desvirtuamento daquilo que é a sua própria função?
Não. Nada mudou, apenas mudaram os locais e aquilo que são hoje as exigências em termos de inovação e actuação específica. A saúde é uma área crítica, assim como a área social, fazem ambas partes da missão. É natural a relação que a Santa Casa tem com a Segurança Social, acho que é até uma área onde devemos crescer. Abrimos uma nova unidade, Raquel Ribeiro, mais 66 camas. Abrimos a ala 4 do Hospital de Santana, mais 42 camas. O Piso 4 do Maria José Nogueira Pinto, cuidados continuados, mais 15 camas. Abrimos o centro de acolhimento temporário do Grilo, que são mais 48 camas em velocidade de cruzeiro. Pode ir até às 90, quando as obras estiverem concluídas.
Ou seja, a reestruturação que está prevista pela Santa Casa não vai implicar uma diminuição da missão social?
Pelo contrário, esse é um dos objectivos. É reforçar a missão. Até porque hoje somos chamados a realidades que antes não existiam, quer em termos de dimensão, quer em termos de complexidade.
Por exemplo, os sem-abrigo?
Estamos a planear abrir brevemente mais um centro de acolhimento temporário para sem-abrigo em Lisboa.
Em articulação com a Câmara de Lisboa?
Não vejo isso de outra forma, uma missão como a da Santa Casa só pode ser feita em articulação com outros parceiros.
E onde será esse novo centro de acolhimento?
Num edifício que a Santa Casa tinha, completamente devoluto, e que está a ser reabilitado. As obras estão quase prontas.
E vai receber quantas pessoas?
A nossa expectativa é que possa ir até cerca de 45 pessoas.
E qual é que é o calendário de funcionamento desse novo centro de acolhimento?
Diria que até Fevereiro.
E o processo de acolhimento como vai ser feito?
Temos um centro de atendimento às pessoas em situação de sem-abrigo, no Cais do Sodré, com um conjunto alargado de parceiros, cerca de 30. A Câmara de Lisboa é também um parceiro-chave. Há um volume muito grande de contactos. Há dias em que ultrapassamos os 100 atendimentos nesse centro.
E o centro de acolhimento é totalmente financiado pela Santa Casa ou também a Câmara de Lisboa tem uma participação?
Eu acho que há diferentes missões e diferentes responsabilidades. Por exemplo, as equipas de rua, que em parceria com a Câmara e a Comunidade de Vida e Paz, todos os dias estão a acompanhar as pessoas que estão sem tecto na cidade, um financiamento da Câmara Municipal de Lisboa.
De quanto?
Essa questão tem que ser dirigida à Câmara. Mas as equipas fundamentais naquele centro são da Santa Casa, assim como a sua gestão. Depois de integrarmos uma pessoa, ela tem um conjunto de aspectos que são relevantes de serem tratadas. Por exemplo, dar-lhe condições para voltar a integrar o mercado de emprego. É uma das missões que temos.
Sobre o Hospital da Cruz Vermelha, o processo de venda foi encerrado. Nenhuma das propostas, alegadamente, era satisfatória. Qual é que foi o problema?
É importante perceber que num processo de alienação de uma sociedade, há um aspecto muito relevante, que é o interesse patrimonial dos accionistas. Quando não está salvaguardado, a decisão não pode ser tomada.
Esta decisão é definitiva?
Na vida não há nada definitivo. O que há, acima de tudo, é uma missão para o hospital. O hospital tem estado a progredir. A equipa de gestão tem estado a fazer evoluções sobre aquilo que era a realidade passada. Mudou muita coisa. Mas ainda há outros aspectos que podem evoluir. Trazer outras actividades, dar-lhe dimensão.
E vai ser preciso injectar capital no hospital?
Os accionistas têm que definir um conjunto de orientações estratégicas. Têm que endereçar esse desafio às equipas de gestão. E as equipas de gestão têm que apresentar um plano.
Quanto é que a Santa Casa já injectou no hospital?
Muito. Mas, acima de tudo, o que é importante perceber é que, para nós, o hospital da Cruz de Vermelha tem condições para ser uma operação na área da saúde, de referência, e que não tenha que ser necessariamente deficitária.
Não há um risco de falência, nem de chegar ao fim do mês sem dinheiro para salários?
Não o consigo visualizar, porque estamos comprometidos exactamente com o contrário. Enquanto nos mantivermos à frente desta operação, em conjunto com o accionista Parpública, não visualizamos qualquer tipo de problema.
Qual é que é o calendário agora?
Está convocada uma Assembleia Geral. Nos próximos três meses o processo irá seguramente ficar completo. A equipa vai ter que tomar posse dos dossiers, analisar, perceber a situação e, a seguir, apresentar uma proposta. Ela vai ser sancionada e depois arregaçar as mangas e fazer o que há para fazer.
Mas a privatização não está colocada de lado?
Neste momento o processo foi encerrado. E acho que é isso que é importante dizer.
Faz parte do plano de reestruturação o desinvestimento no projecto da internacionalização dos jogos. Isso resulta das decisões tomadas pela anterior mesa que tornaram inevitável o encerramento das operações ou de algum estudo de oportunidade e rentabilidade feito entretanto?
Até ao final do mês de Janeiro será presente à tutela o plano final de desinvestimento. É claro que quando, por exemplo, a Santa Casa deixou de cumprir um acordo que tinha feito com um dos seus parceiros externos numa destas áreas e deixou de honrar os seus compromissos e foi accionada judicialmente, eu não consigo perceber como é que uma nova administração poderia alterar de forma significativa este acordo. Havia um caminho que dificilmente seria alterado. Ainda assim, estamos atentos às soluções negociais. Não lhe consigo é garantir que tenha um sucesso.
O ex-provedor, Edmundo Martinho, acusou publicamente a mesa liderada por Ana Jorge de ter abandonado o projecto sem olhar a consequências e contribuindo para aumentar esses prejuízos. A anterior mesa não tomou as decisões certas ou não fez o desinvestimento de uma forma racional?
Estou muito mais focado na implementação do plano de reestruturação da Santa Casa do que comentar as decisões daqueles que me antecederam. Seguramente tomaram as decisões que melhor entenderam em determinado momento. O que me parece fundamental é que a área do jogo crítica para a Santa Casa são os jogos sociais do Estado em Portugal. E é nessa que nos vamos focar. Para nós não faz sentido, nem a Santa Casa tem competências de uma multinacional a gerir operações descentralizadas de jogos sobre as quais temos deficit de controlo.
Está fora de questão investir no estrangeiro?
Não está nos planos. Não quer dizer que não aconteça, se surgir uma oportunidade que faça sentido e seja controlável, sem riscos acrescido. Mas não encontrei isso naqueles casos que estão no âmbito da Santa Casa Global. Tinha feito muito mais sentido que o investimento feito no exterior tivesse sido feito em desenvolvimento tecnológico, em marketing, em comunicação, em desenvolvimento da rede de mediadores em Portugal. Estamos a começar a lançar 200 novos mediadores, há 10 anos que não eram feitos concursos nesta área.
Há uma comissão de inquérito no Parlamento que vai começar nas próximas semanas, precisamente, à gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O que espera desta comissão de inquérito?
Não tenho que esperar nada para além daquilo que são os objectivos que determinaram a criação da comissão de inquérito. O que nos temos focado é em dar toda a informação que nos é solicitada, em tempo, para que a comissão possa desenvolver os seus trabalhos. Será importante que a comissão permita aos portugueses esclarecer o que foi a actividade da Santa Casa. Acho que, independentemente dos factos que vierem depois a ser apurados, vai permitir que os portugueses conheçam o que é a Santa Casa melhor, a relevância que tem para o país e para a cidade.
É natural que esta comissão de inquérito resulte em encontrar material de natureza criminal no final disto tudo e que seja tudo entregue à PGR e ao Ministério Público?
Diria que o que é do Ministério Público, ao Ministério Público. Também nós quando entendemos que há alguma situação, algum ilícito que configura alguma tipologia de crime, temos uma obrigação de comunicar.
Por falar em inquéritos, que diligências tomou na sequência da notícia da Albânia em que dois directores da Santa Casa tinham uma empresa naquele país? O que é que aconteceu a estes directores? Houve algum inquérito interno?
O inquérito ainda está em curso. Foi aberto de imediato. Nenhum dos directores está em funções nos cargos que tinha. Um deles abandonou a Santa Casa. O outro deixou de ter funções de direcção e está numa área completamente distinta daquela que era a área de actividade.