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Para brasileiros LGBTQIAP+, viver em Portugal é questão de sobrevivência
O desejo de se legalizar em terras portuguesas vai além de uma simples questão migratória, diante da violência e da discriminação estrutural enfrentada no Brasil.
Os artigos da equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.
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Portugal tem-se afirmado como um dos países mais progressistas da Europa no que diz respeito aos direitos da comunidade LGBTQIAP+. Esse avanço atrai pessoas de todo o mundo, especialmente do Brasil, que enxergam em Portugal uma oportunidade de viver em segurança, dignidade e com direitos assegurados. Para muitos brasileiros LGBTQIAP+, o desejo de se legalizar em terras portuguesas vai além de uma simples questão migratória; é, muitas vezes, uma questão de sobrevivência diante da violência e da discriminação estrutural enfrentada no Brasil.
A ligação histórica e cultural entre Brasil e Portugal, aliada à língua comum, já facilita o processo migratório. Porém, desde 2022, com o Acordo de Mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cidadãos brasileiros passaram a ter acesso simplificado à autorização de residência em Portugal. Esse mecanismo reduz a burocracia e garante que muitos imigrantes possam regularizar a sua situação de forma mais célere e eficiente.
Adicionalmente, o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre Brasil e Portugal, em vigor desde 2000, confere aos brasileiros direitos especiais no território português, incluindo a possibilidade de solicitar residência com menos exigências.
Apesar dessas facilidades, nem todos os processos de regularização são simples. Muitos brasileiros LGBTQIAP+ chegam ao país em situações de grande vulnerabilidade, especialmente aqueles que enfrentaram perseguição em sua terra natal, devido à orientação sexual ou identidade de gênero. Nestes casos, Portugal, como signatário da Convenção de Genebra, reconhece o direito de asilo ou proteção subsidiária a quem possa comprovar que foi vítima de perseguição.
A grande dificuldade está em apresentar provas concretas, como documentos ou testemunhos, em situações em que a violência sofrida frequentemente é invisibilizada. Para esses casos, é crucial o apoio de organizações como a ILGA Portugal e o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), que oferecem assistência jurídica, psicológica e social a imigrantes LGBTQIAP+.
Para além das vias de proteção internacional, existem outras opções para a regularização. Brasileiros podem solicitar vistos de trabalho ou estudo, sendo que a legislação portuguesa proíbe qualquer tipo de discriminação com base na orientação sexual no mercado de trabalho ou nas instituições de ensino. Casais LGBTQIAP+ têm ainda a possibilidade de requerer autorização de residência por reagrupamento familiar, visto que Portugal reconhece uniões estáveis e casamentos entre pessoas do mesmo sexo desde 2010.
Para pessoas trans, a legislação é igualmente avançada, permitindo a alteração de gênero e nome nos documentos oficiais sem necessidade de diagnóstico médico, uma conquista que garante maior dignidade e segurança.
Contudo, regularizar a situação legal é apenas o primeiro passo. A integração plena na sociedade portuguesa traz desafios que não podem ser ignorados. O mercado de trabalho, por exemplo, ainda apresenta barreiras, sobretudo para pessoas trans, que, frequentemente, relatam dificuldades de inserção devido ao preconceito.
Além disso, a falta de redes de apoio, comum entre imigrantes LGBTQIAP+, aumenta o risco de isolamento social. Problemas como acesso à habitação e a cuidados de saúde inclusivos também se destacam como questões que precisam de maior atenção por parte do Estado e da sociedade.
Portugal tem uma oportunidade única de consolidar a sua imagem de país acolhedor, garantindo que imigrantes LGBTQIAP+ não apenas se legalizem, mas também vivam em igualdade de condições. Isso exige o fortalecimento de políticas públicas que apoiem essa comunidade, como a criação de programas específicos para refugiados LGBTQIAP+, a formação de profissionais de saúde e assistência social e a promoção de campanhas contra o preconceito no mercado de trabalho.
A regularização e a integração de imigrantes LGBTQIAP+ não são apenas processos burocráticos, mas passos fundamentais para assegurar que todas as pessoas possam viver com segurança e dignidade. O caminho para a igualdade está traçado, mas só será efetivo se acompanhado de ações concretas que reconheçam a intersecção entre migração e direitos humanos. Portugal, com sua história e avanços legislativos, tem o potencial de ser um modelo global nesse percurso.