Educação
Os “chumbos”, o “facilitismo” e o Estado da Educação
Todas as semanas, os temas que interessam aos professores, pelas jornalistas Andreia Sanches e Cristiana Faria Moreira.
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Caro leitor
A discussão é antiga e continua a ser tema recorrente: se há muitas crianças a chegar ao fim do ano sem terem aprendido o que deviam a solução é retê-las? Dito de outro modo: aprendem mais se “chumbarem”?
Vem isto a propósito de um excerto do Relatório Estado da Educação 2023, do Conselho Nacional de Educação (CNE), divulgado esta semana. Maria José Antunes, uma das conselheiras convidadas a reflectir no relatório sobre temas que “deverão estar presentes nos debates e nas tomadas de decisão quanto ao futuro”, escreve o seguinte num capítulo dedicado à educação dos zero aos 12 anos:
“A retenção, ao contrário do que se costuma supor, pode ser um outro rosto do facilitismo. Desenraizar a criança do grupo-turma, afastá-la do professor com quem criou laços, como acontece na transição para o 2.º ciclo; obrigar a criança a repetir todas as disciplinas, mesmo aquelas em que foi bem-sucedida, como ocorre nos 2.º e 3.º ciclos, são decisões, em muitos casos, pedagogicamente duvidosas, e demasiadas vezes contraproducentes. Lembra um cartoon, em que um pai agredia o filho para o ensinar a não ser violento.”
Vamos aos números que nos dizem quantos alunos “chumbaram” só em 2022/2023:
- 1,9% dos alunos do 1.º ciclo;
- 3,6% dos alunos do 2.º ciclo;
- 6,2% dos alunos do 3.º ciclo;
- 9,8% dos alunos do secundário;
Contas feitas, cerca de 100 mil crianças e jovens não passaram de ano.
As taxas apresentadas pelo CNE correspondem, com poucas excepções, mais ou menos aos valores registados no ano anterior à pandemia.
Há bastantes mais retenções entre os alunos mais vulneráveis dos pontos de vista social, económico e cultural, e entre os alunos estrangeiros.
Nos alunos com pais estrangeiros — e eles são cada vez mais nas escolas — as taxas de retenção chegam a ser três vezes maiores, uma situação preocupante, segundo o CNE, que diz que faltam dados para avaliar se o ensino de Português Língua não Materna, por exemplo, está a chegar a quem precisa, de forma eficaz.
“Os alunos de nacionalidade estrangeira, à semelhança de outros grupos de alunos, necessitam de um reforço das medidas de equidade, na sociedade em geral e na escola, que garantam mais sucesso para todos”, afirma o presidente do CNE, Domingos Fernandes.
O documento não contém dados que permitam comparar as taxas de retenção em Portugal, nomeadamente no ensino básico, com as de outros países. Mas há um outro que nos dá algumas pistas: o último estudo do PISA, da OCDE, que avalia as competências dos alunos aos 15 anos.
Perguntou-se a estes alunos se já tinham ficado retidos alguma vez. Em Portugal 17,2% disseram que sim, a média da OCDE é 8,9%. Em 36 países/economias avaliadas, a taxa dos que declaram uma ou mais retenções é de 5% ou menos.
Só em quatro países europeus a taxa é mais alta do que em Portugal: Bélgica (26,5%), Países Baixos (23,3%), Espanha (21,7%) e Alemanha (19,2%). Os alunos mais pobres e os de origem estrangeira são os que mais chumbam.
A recomendação da OCDE neste relatório é clara: “Fornecer apoio adicional aos alunos com dificuldades em vez de os obrigar a repetir um ano de escolaridade” é mais eficaz. “Os sistemas educativos com mais repetições de ano tendem a registar um desempenho médio inferior em matemática”, lê-se ainda. “Os professores dos sistemas de ensino com promoção automática de ano [caso da Noruega, por exemplo] prestam mais apoio aos alunos” e o esforço deve ser esse.
O presidente do CNE não fala directamente sobre a questão das retenções no texto introdutório do seu relatório anual, mas sublinha claramente que há um problema com a qualidade das aprendizagens, sobretudo nos primeiros anos da escola: “A aprendizagem da escrita está longe do que seria desejável, mas o mesmo se verifica em matemática e noutras disciplinas e áreas disciplinares.”
Diz que urge tomar medidas “que enfrentem este problema ao nível da formação inicial e contínua dos professores, da organização e funcionamento pedagógico das escolas e agrupamentos e do investimento em sistemas de apoio, de acompanhamento e avaliação”. Dir-se-ia que o país “necessita de pôr em prática um programa especificamente orientado para melhorar a qualidade do ensino e das aprendizagens nos primeiros anos”, defende.
Acabar com o 2.º ciclo do ensino básico e criar um ciclo de escolaridade dos seis aos 12 anos é uma das medidas concretas propostas. “Um ciclo de escolaridade único dos seis aos 12 anos permite uma progressão mais equilibrada, pois acaba com a transição brusca do 4.º ano de escolaridade, com um docente responsável, para o 5.º ano de escolaridade, com mais de 10 disciplinas e, na grande maioria dos casos, com outros tantos docentes. Além do mais, permite criar condições para que a organização e o funcionamento pedagógico das escolas sejam mais consentâneos com a criação de ambientes de ensino e aprendizagem mais estimulantes e enriquecedores.”
Nestes dois documentos essenciais para olharmos para a nossa evolução como país e nos compararmos com os outros (o Estado da Educação e o relatório do PISA) há várias pistas para a pergunta com que começámos esta newsletter: existe um problema de qualidade das aprendizagens, sobretudo entre os alunos mais novos, mas as aparentemente elevadas taxas de retenção (elevadas quando nos comparamos com outros sistemas educativos que tendemos a olhar como inspiradores) não estão a resolver esse problema.
Até quinta-feira
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