“Trump está a usar a teoria do louco, a fazer pressão sobre os seus interlocutores”

Francisco Pereira Coutinho, professor na Nova School of Law, analisa as recentes declarações do Presidente eleito dos EUA sobre anexar a Gronelândia.

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Uma "deriva imperalista" ou manobra de "pressão negocial". É assim que Francisco Pereira Coutinho, professor na Nova School of Law, vê as as intenções de Donald Trump sobre a Gronelândia ou o Canal de Panamá.

Já no anterior mandato, o futuro Presidente dos Estados Unidos tinha manifestado a intenção de comprar a Gronelândia. Porque é que este território continua a ser tão interessante e apelativo para Donald Trump?
Para Trump, as coisas são sempre muito simples. Nos EUA, uma das decisões que são consideradas das mais bem tomadas pelos políticos americanos foi a compra do Alasca, no século XIX, ao Império Russo. Tem recursos petrolíferos e hidrocarbonetos de enorme importância. O mesmo se passa, hoje em dia, com a Gronelândia. Além disso, o Árctico, geopoliticamente, tem cada vez mais importância porque as alterações climáticas e o degelo vão permitir a circulação marítima por rotas que, até agora, estavam essencialmente fechadas durante a maior parte do ano.

Para ele, se o Alasca foi comprado, então podemos comprar a Gronelândia. Porque não? Ele é um magnata do imobiliário e, portanto, tudo tem um preço.

A Dinamarca já disse que não está interessada em vender absolutamente nada. E, por isso, ele veio dizer que vai ameaçar usar meios coercivos económicos e também militares.

A utilização de força contra um Estado-membro da NATO e da União Europeia, alterando as suas fronteiras, desafiando a sua soberania, seria uma guerra dentro da própria NATO. Acha que isso seria possível ou não passa de um estado de espírito?
Temos de tentar perceber o que é que vai na cabeça de Donald Trump. Se, de facto, temos aqui uma deriva imperialista dos Estados Unidos. Ouvimos Donald Trump dizer que compreendia perfeitamente aquilo que os russos fizeram em 2022. Ele, na verdade, com este tipo de intenções e declarações, está a fazer algo de muito, muito semelhante.

Agora, não sabemos se isto não é a aplicação daquilo que nas relações internacionais chamamos "a teoria do louco": ele quer ter acesso à Gronelândia por via negocial e quer ir para a mesa negocial com uma posição de força, de pressão sobre os seus interlocutores – no caso, a Dinamarca –, ameaçando-os com o uso de meios coercivos e económicos e também militares, para, no final, conseguir aquilo que quer.

Isso acontece com a Dinamarca no caso da Gronelândia, mas ele falou também da situação do México, que vai até mudar o nome do golfo do México para golfo da América, falou também da questão do Canadá, que o Canadá é um aliado que se aproveita dos Estados Unidos.

Dentro do seu séquito e dentro até do Partido Republicano, isto é um tipo de pensamento que encontra apoiantes e encontra seguidores?
No Partido Republicano clássico, seguramente que não. A questão é que Donald Trump personifica um movimento de franjas do Partido Republicano que se tornou mainstream e que ganhou as eleições, o movimento MAGA – Make America Great Again.

Achava-se que o movimento MAGA era um movimento isolacionista. Mas não é o caso propriamente de Donald Trump. Esta ideia de "América Primeiro" passa, aparentemente, por uma possível expansão territorial.

Trump já disse que não está interessado em guerras, que é um homem de negócios. Ele está, no fundo, a fazer isto para conseguir ganhos negociais mais à frente com os parceiros que vão ter medo e vão ceder às suas pretensões. Para que a teoria do louco funcione, é preciso que estas ameaças sejam tidas como credíveis.

Nós, Portugal, podemos ser afectados de duas maneiras. É muito pouco provável que use a força contra a Dinamarca. A Dinamarca é um membro da NATO.

Uma das coisas que Trump vai fazer, de certeza, e que não está necessariamente relacionada com a Gronelândia, é aquilo que já prometeu e tem mandato para fazer, que é uma guerra comercial com o resto do mundo. Com o Canadá e com a Europa. Como é que vai fazer isso? Aumentando as tarifas. Ele disse, especificamente, que quer usar meios coercivos contra a Dinamarca, que faz parte da União Europeia. Nós temos uma política comercial comum e qualquer tipo de meios coercivos e económicos impostos à Dinamarca vai ter impacto sobre todos os outros Estados.

E isso, obviamente, é um problema para Portugal. Para além da questão militar. Aquilo que ele fez é proibido pelo direito internacional. O artigo 2.4 da Carta proíbe a ameaça do uso da força.

Aquilo que ele disse é deitar por terra séculos e séculos de prática de direito internacional.
Nós temos a Ordem Internacional Liberal, tal qual a conhecemos, há relativamente pouco tempo, desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Como é que acha que a União Europeia está a lidar com este novo inquilino da Casa Branca? Ouvimos reacções da França e da Alemanha. A União Europeia ficou silenciosa.
Eu não gostava de estar nas vestes dos líderes europeus neste momento. Não querem hostilizar Donald Trump, que ainda nem sequer tomou posse, mas ao mesmo tempo também não podem ficar calados perante este tipo de ameaças.

E vamos ter a questão ucraniana para resolver já nos próximos meses, porque mais uma vez se percebeu que ele não está interessado em apoiar a Ucrânia. Ele esteve em Notre-Dame com o Presidente Macron recentemente, na inauguração de Notre-Dame, esteve com Zelensky, e parecia estar mais disposto a auxiliar os ucranianos na procura de uma paz justa. Agora, Donald Trump é isto. É errático, é imprevisível. Portanto, esperam-nos uns quatro anos caóticos.

É muito difícil fazer previsões sobre aquilo que será Donald Trump, mas vamos encontrar episódios destes com imensa regularidade, e isso vai causar um dano enorme às relações internacionais e ao direito internacional, que já foram tão maltratados nos últimos anos, especialmente desde a agressão russa à Ucrânia, que se iniciou em Fevereiro de 2022.

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