Descobertos blocos de pedra coloridos que contam novas histórias da faraó Hatshepsut
Os blocos integravam um templo no complexo funerário da faraó Hatshepsut, em Luxor. Em Saqqara, outra descoberta: o túmulo de um médico de faraós, especialista em veneno e plantas medicinais.
Mil e quinhentos blocos de pedra decorados, um túmulo do supervisor do palácio da rainha Tetisheri, avó do faraó Amósis, fundador do Império Novo egípcio no século XV a.C.: os mais recentes achados no complexo funerário de Hatshepsut, monarca da 18.ª dinastia e primeira rainha faraó, são considerados uma descoberta extraordinária. “É a primeira vez que descobrimos 1500 blocos decorados”, afirmou, citado pela Reuters, Zahi Hawass, o afamado arqueólogo que, desde 2022, dirige as escavações neste sítio de Luxor. Em conferência de imprensa no Cairo, esta quarta-feira, o antigo ministro das Antiguidades do Egipto descreveu as decorações agora descobertas como “as mais belas”, "com aquelas cores", que viu ao longo da vida.
Os blocos de pedra decorados integravam originalmente uma parede das fundações do templo que servia de entrada principal ao complexo funerário de Hatshepsut, morta em 1458 a.C., e que surge retratada, tal como o seu sucessor, Tutmosis III, em algumas das decorações descobertas. Senmut, o arquitecto responsável pela construção do templo, tem o seu nome imortalizado numa pedra de calcário. “É a primeira vez que dispomos de um conjunto final de decorações de um templo da 18.ª dinastia”, assinalou Zahi Hawass, citado pelo diário espanhol ABC.
Tarek El Awady, subdirector da missão arqueológica, compara mesmo a importância da descoberta, pelo manancial de informação que desvenda, às das escavações do norte-americano Herbert L. Winlock que, nos anos 10 e 20 do século passado, trabalhou intensamente em Luxor — a colecção egípcia do Metropolitan Museum, em Nova Iorque, provém em grande parte das suas escavações —, e em particular neste mesmo complexo funerário. Ali descobriu e restaurou duas estátuas de grandes dimensões de Hatsheput, originalmente integradas no seu templo.
Os avanços no conhecimento sobre o período histórico a que remonta este complexo funerário não se circunscrevem aos blocos decorados, que serão expostos no Museu Egípcio de Tahrir. Nas suas imediações, foi também descoberto o túmulo de Jehuti-Mes, supervisor do palácio da rainha Tetisheri. Escavado na rocha, “no final de uma capela de adobe abobadada com desenhos murais pintados a vermelho, sobre uma camada de argamassa branca”, segundo descreve o ABC, trata-se de um túmulo modesto, tendo em conta a posição social de Jehuti-Mes, o que se explicará pelo período de carência vivido então no reino, que lutava pela libertação da ocupação dos hicsos, o povo semita que invadiu e governou o Egipto durante quase um século, entre XVII a.C e XVI a.C.. O neto de Tetisheri, o faraó Amósis, que inaugurou a 18.ª dinastia, seria o responsável pela expulsão dos hicsos, tornando-se o primeiro monarca egípcio após o fim da ocupação.
Entre as descobertas agora reveladas encontram-se caixões de madeira intactos, utensílios usados pelos guardas do complexo funerário na época de Hatsheput, bem como artefactos posteriores, do período da dinastia ptolemaica (do século IV a.C. ao século I a.C.), como jogos infantis, escaravelhos, máscaras funerárias ou moedas de bronze com a efígie de Alexandre, o Grande.
Médico, feiticeiro, dentista
Entretanto, a norte, a algumas horas de Luxor, outra descoberta leva-nos a viajar ainda mais longe no tempo, neste caso ao Império Antigo (2686 a 2181 a.C.). Era em Saqqara, a cerca de 30 quilómetros a sul do Cairo, que os faraós do período mantinham a sua necrópole. E foi em Saqqara que, no início desta semana, o ministério do Turismo e das Antiguidades do Egipto deu a conhecer ao mundo um homem peculiar. Chamava-se Teti Neb Fu e foi médico chefe do Palácio do faraó Pepi II, líder do Egipto entre 2278 e 2181 a.C..
O seu túmulo, descoberto por uma missão arqueológica franco-suíça, foi alvo de pilhagens ao longo dos anos, mas as paredes profusamente decoradas mantêm-se intactas. “Está adornado com esculturas impressionantes e obras de arte vibrantes, incluindo uma porta falsa colorida e cenas de oferendas funerárias”, descreve o chefe da missão arqueológica, Philippe Colomber, citado pelo jornal catalão La Vanguardia.
As inscrições com o nome e os títulos do ocupante do túmulo dão conta da peculiaridade da sua condição. No Antigo Egipto, medicina e artes mágicas eram alvo do mesmo respeito e veneração. Ora, Teti Neb Fu era médico, mas também sacerdote e feiticeiro da deusa Serket, a divindade dos animais venenosos. Ostentando ainda o título de “dentista-chefe e director das plantas medicinais”. Tendo em conta as suas múltiplas e altas funções, não é surpresa o lugar de destaque que, no momento da sua morte, há 4000 mil anos, ganhou no complexo funerário dedicado aos faraós do Império Antigo.