Acusadas 22 pessoas e 13 empresas de tráfico de seres humanos e outros crimes

Oito dos 20 detidos encontram-se em prisão preventiva. Actividade ilícita gerou, pelo menos, 19,7 milhões de euros, pedindo o Ministério Público que sejam declarados perdidos a favor do Estado

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Vítimas foram alojadas em condições "degradantes" Rui Gaudêncio
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O Ministério Público (MP) acusou 22 pessoas, a maioria de nacionalidade estrangeira, e 13 empresas por tráfico de seres humanos, associação criminosa, branqueamento de capitais e outros crimes.

O anúncio foi feito esta quarta-feira através de um comunicado publicado no site do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) Regional de Évora, que dirigiu a investigação deste caso.

Os acusados são 17 estrangeiros e cinco portugueses, além das 13 empresas. "Os arguidos construíram uma rede organizada com vista à captação, entrada e estada em território nacional de imigrantes ilegais provenientes da Roménia, Moldávia, Ucrânia, Índia, Senegal, Nepal, Timor Leste e Paquistão", realça a nota. O PÚBLICO já antes noticiara que núcleo duro desta rede é oriundo da Europa de Leste e tem relações familiares entre si.

Segundo o MP, os imigrantes vieram para Portugal "com o intuito de conseguir melhores condições de vida, prometidas pelos arguidos", mas foram utilizados como "mão-de-obra quase forçada e a baixo custo".

Os imigrantes acabavam a trabalhar em explorações agrícolas e na construção civil em diversos pontos do país e aí "eram alojados em condições degradantes, sem que lhes fosse pago o devido vencimento".

Às vítimas eram prometidos bons salários, na ordem dos 800 a 1000 euros mensais. Mas quando chegavam a Portugal mergulhavam numa realidade muito diferente: péssimas condições de trabalho e de alojamento, maus tratos e agressões.

Em Novembro de 2023, quando uma megaoperação policial que envolveu 480 operacionais desmantelou esta rede, a directora da Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária, Manuela Santos, falava das situações de sobrelotação e de falta de higiene em que viviam estes imigrantes, exemplificando com um caso em que "uma casa de banho dava para 20 pessoas". Descrevia ainda as longas jornadas de trabalho, com pausas para almoçar de apenas 15 minutos, seguidas de mais trabalho "muito duro e exigente". A remuneração, precisou então, não ia além dos 200 euros mensais, depois de feitos os "descontos dos patrões", explicou a mesma responsável.

Isto porque eram feitas múltiplas deduções ao salário das vítimas. "Os arguidos aproveitaram-se destas pessoas, vendendo o seu trabalho, mas exigindo-lhes e cobrando-lhes valores a título de supostas 'despesas" de alojamento, transporte, combustíveis, de vinda para Portugal, tornando-os devedores, levando a que tivessem de mendigar por comida para subsistirem", lê-se no comunicado.

Em Novembro de 2023, a Judiciária contabilizava mais de 100 vítimas desta rede, investigada no âmbito de dois inquéritos diferentes, ambos dirigidos pelo DIAP Regional de Évora. A primeira acusação, anunciada em Dezembro passado, visou 14 pessoas e seis empresas a quem foram imputados crimes de tráfico de pessoas, auxilio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, branqueamento de capitais, falsificação de documento e detenção de arma proibida. Seis destes arguidos permanecem em prisão preventiva.

Já no segundo processo, oito dos 20 detidos continuam em prisão preventiva e os restantes 12 estão obrigados a apresentarem-se periodicamente às autoridades, proibidos de se ausentarem do país e de contactarem outros arguidos e as vítimas.

Assinalando que esta actividade criminosa, desenvolvida entre 2020 e 2023, gerou "elevadas quantias em dinheiro", o MP pediu que fossem declarados perdidos a favor do Estado, pelo menos, 19,7 milhões de euros, que estima terem sido obtidos de forma ilícita. Para acautelar este valor encontram-se apreendidas várias viaturas, imóveis, participações sociais e jóias.

"Foi igualmente apurado património incongruente na esfera patrimonial dos arguidos, tendo sido efectuado pedido de condenação no pagamento do seu valor", acrescentou. Tal significa que, após uma investigação financeira, foi encontrado um património na posse dos arguidos que não é compatível com os rendimentos que estes declaravam ao fisco, presumindo-se que a parte não justificada seja proveniente dos crimes. Por isso, o MP pede que os montantes não justificados revertam para o Estado.

A investigação foi dirigida pelo DIAP de Évora, com a coadjuvação da PJ, a intervenção do Gabinete de Recuperação de Activos e o apoio do Gabinete Português da Eurojust, a principal agência europeia em matéria de cooperação judiciária na área penal.