Será que 35 colegas de casa curam a solidão? Esta empresa acha que sim

Washington foi considerada a cidade mais solitária dos EUA. A vida a solo é cada vez mais comum: as pessoas esperam mais pelo casamento e filhos e a pandemia de covid-19 acelerou a tendência.

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Aymen Chargui, 27, é um dos primeiros residentes deste edifício de coliving Aaron Wiener/TWP
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Os habitantes de Washington são mais propensos a viver sozinhos do que os residentes de qualquer outra grande cidade dos EUA, de acordo com um estudo recente — uma receita para a solidão que uma empresa europeia vê como uma oportunidade de negócio.

A Cohabs, sediada em Bruxelas, está a comprar propriedades em Washington com o objectivo de as converter em espaços de "coabitação", onde até 36 colegas de casa poderão partilhar áreas comuns, eventos e — de acordo com o marketing da empresa — pode ser a cura para a solidão urbana.

A empresa abriu o primeiro alojamento em Washington no mês passado. A propriedade, composta pelo que eram, anteriormente, duas casas de habitação adjacentes em Columbia Heights, foi transformada num conjunto de 36 quartos, 15 casas de banho, duas cozinhas completas, seis estúdios e dois terraços no telhado.

A Cohabs já adquiriu cinco outros imóveis em Washington e pretende adquirir mais. Em 2025, a empresa planeia comprar um edifício por mês, de acordo com o director-geral para os EUA, Daniel Clark. "Poderíamos chegar rapidamente a 500 camas, e penso que é possível chegar a 1000 camas", afirmou.

Num estudo levado a cabo em Abril pela Câmara de Comércio, empresa de investigação na área do imobiliário, Washington foi considerada a cidade mais solitária dos EUA, com base nos dados dos Censos que mostram que 48,6% dos agregados familiares na cidade são compostos por apenas uma pessoa, a percentagem mais elevada de qualquer cidade com uma população de pelo menos 150.000 habitantes.

A nível nacional, segundo o estudo, a vida a solo tem aumentado, uma vez que as pessoas esperam mais tempo pelo casamento e pelos filhos — e a pandemia de covid-19 acelerou a tendência.

O modelo da Cohabs assemelha-se a outra tradição de Washington que pode ou não curar a solidão, dependendo de como funciona: a vida em grupo.

São já várias gerações de jovens, vindos de outras partes do país e do mundo, que se instalam em Washington e tentam lidar com o custo proibitivo de viverem sozinhos. Tentam desenvencilhar-se em sites de procura de casas, visitas e entrevistas difíceis com colegas de casa antes de aterrarem em casas partilhadas, com higiene questionável e tarefas aborrecidas – mas com rendas acessíveis.

A Cohabs mistura esse modelo com um bocadinho de pousada da juventude, ou residência universitária ou aparthotel de estilo europeu, onde as reservas de hotel são usadas para viver em apartamentos.

As rendas são mais elevadas do que numa casa partilhada, mas mais baixas do que a maioria dos apartamentos de um quarto nos bairros centrais e animados que a Cohabs tem como alvo, de Logan Circle a Capitol Hill. Em Columbia Heights, os quartos com casas de banho partilhadas com um ou dois outros residentes começam com sete metros quadrados e 1566 euros por mês. Os quartos com casa de banho privativa custam perto de 2037 euros.

Estas rendas incluem serviços de limpeza, serviços públicos, pequenos-almoços de grupo periódicos e eventos, uma cama de tamanho normal e outro mobiliário, e ainda artigos básicos comuns, como papel higiénico, sabão e azeite.

A Cohabs tem propriedades em toda a Europa Ocidental e tem 17 casas em Nova Iorque. O edifício de 1017 metros quadrados em Columbia Heights é o maior da empresa nos Estados Unidos em número de quartos. O modelo de coabitação utilizado pela Cohabs não é novo em Washington, e já teve a sua quota-parte de percalços.

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O exterior da residência da Cohabs Aaron Wiener

Em 2016, a WeWork abriu o segundo WeLive em Crystal City, um edifício de apartamentos com 216 casas e áreas comuns partilhadas. Cinco anos mais tarde, após a implosão pública da WeWork, a gestão do edifício foi assumida pela Common Living, uma empresa de coliving sediada em Nova Iorque que já tinha oito edifícios em Washington.

Um artigo do Daily Beast de 2022 descrevia em pormenor uma série de queixas dos inquilinos dos edifícios da Common; um residente chamou-lhe um "pesadelo" e "provavelmente uma das piores experiências em 38 anos neste planeta".

No ano passado, a empresa alemã de coliving Habyt comprou a Common Living. Em Junho, a Habyt anunciou que a Common estava insolvente e que todas as operações estavam a ser suspensas com efeitos imediatos.

Um projeto Common com 60 suites no antigo campus Walter Reed, no noroeste de Washington, é agora gerido pela empresa de gestão de apartamentos Greystar.

A Nest DC gere oito edifícios de coliving na cidade, com mais dois a abrir no próximo ano; outra empresa, a Oslo, tem quatro. O complexo de apartamentos i5 no Union Market aluga quartos em regime de coliving juntamente com apartamentos privados.

A Cohabs é diferente, de acordo com Clark. Por um lado, a empresa é proprietária dos seus edifícios e não faz acordos de gestão com os proprietários dos imóveis. Mas "o que nos diferencia é o aspecto comunitário", acredita — como as refeições em grupo e as actividades organizadas, como escalada.

Foi precisamente o lado comunitário que atraiu Martin Beugeling, holandês de 28 anos que veio para Washington trabalhar na embaixada dos Países Baixos. Ao início viveu numa casa partilhada em Chevy Chase, mas o bairro era demasiado sossegado e ficava longe do que lhe interessava na cidade. Além disso, quase não passava tempo com os seus colegas de quarto.

"Estava à procura de um sítio mais social, onde pudesse conhecer outras pessoas", disse. Tinha ouvido falar da Cohabs através de colegas que viviam nas instalações em Bruxelas. Entrou em contacto com a empresa e mudou-se para o edifício de Columbia Heights no dia da inauguração.

Beugeling é o arquétipo de um morador da Cohabs. Mais de metade dos residentes são internacionais, de acordo com Clark, e a maioria tem entre 25 e 35 anos. Os arrendamentos da Cohabs começam em três meses, o que atrai pessoas que estão só de passagem como Beugeling, que está na cidade numa rotação de trabalho de seis meses.

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Martin Beugeling, 28, a trabalhar na residência Aaron Wiener/TWP

Ashley Doll cresceu na região, em McLean. Mas a estudante de mestrado em gestão de Georgetown, de 30 anos, quer mudar-se para Arlington, e ficou impressionada com a facilidade com que a Cohabs lhe encontrou colegas casa.

Numa manhã, não há muito tempo, visitou o prédio de Columbia Heights com a gestora de operações de D.C., Jessica Liu. "É um conceito interessante", disse Doll depois da visita guiada.

"Sinto que é basicamente como se fosse possível encontrar uma casa partilhada a um preço acessível, sem ter de se preocupar em encontrar colegas de quarto."

Ainda não se decidiu sobre a possibilidade de se candidatar a um quarto - mas se o fizer, será um quarto com casa de banho própria.

Clark quer diversificar as ofertas de habitação da empresa em Washington, com algumas propriedades a oferecerem unidades maiores, com até dois quartos. Actualmente, os quartos nas Cohabs de D.C. são de ocupação individual, não sendo permitidos casais, embora sejam permitidas visitas-

Ele também está de olho na iniciativa da cidade de converter prédios de escritórios em residências. Por enquanto, o único colega de quarto de Beugeling é Aymen Chargui. O francês de 27 anos chegou a Washington. no mês passado para trabalhar como engenheiro numa empresa francesa.

Alguns amigos da sua terra natal disseram-lhe que encontrar uma boa moradia nos Estados Unidos poderia ser difícil, e a Cohabs parecia ser uma boa maneira de evitar essa procura difícil.

Além disso, não conhecia muitas pessoas na zona e viu nesta residência uma oportunidade de fazer amigos. Mas até que mais pessoas se mudem, tem o espaço todo para si — o equivalente a 18 quartos e meia dúzia de áreas comuns.

"Não me importo de estar sozinho", afirmou.


Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post

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