O que levou à demissão “com justa causa” de um administrador do Novo Banco?

Ex-administrador executivo do Novo Banco foi constituído arguido depois de depósitos feitos pelo seu motorista terem levantado suspeitas dentro do banco. Estarão em causa negócios de 500 mil euros.

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Novo Banco envolto em nova polémica Rafael Marchante / REUTERS
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Carlos Brandão, administrador executivo do Novo Banco, foi destituído do cargo "com justa causa", por ser suspeito de ter cometido crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação. O banco garante que os clientes não foram lesados e mantém o objectivo de venda.

Quem é o administrador demitido?

Carlos Brandão integrava o conselho de administração executivo do Novo Banco desde Setembro de 2022, quando o banco já era liderado pelo actual presidente executivo, Mark Bourke. Chegou ao banco em 2017, como director de risco, cargo que manteve até assumir a posição no conselho de administração executivo. Antes, foi gestor da sucursal portuguesa do Barclays (entre 2008 e 2022, altura em que o banco já tinha sido comprado pelo Bankinter) e director de risco no Santander (entre 2007 e 2008).

O que levou à destituição?

No comunicado enviado nesta terça-feira à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o Novo Banco informa que a decisão de destituir Carlos Brandão foi tomada "no seguimento da identificação, através de processos internos do banco, de operações financeiras suspeitas realizadas na sua esfera pessoal, as quais deram origem a uma denúncia às autoridades". Depois de ter detectado estas práticas, "o banco iniciou uma investigação interna e apresentou uma denúncia junto do Ministério Público, o que levou ao início de uma investigação que está agora em curso". O banco reportou o assunto, também, ao regulador e à autoridade de supervisão competente.

De acordo com os detalhes entretanto avançados pelo Observador, as "operações financeiras suspeitas" foram detectadas pelo departamento de compliance do Novo Banco. Em concreto, o sistema de combate ao branqueamento de capitais do Novo Banco detectou a realização de depósitos em numerário feitos pelo motorista de Carlos Brandão, em contas do Novo Banco. Uma vez que o salário deste motorista não seria coerente com os valores que estariam a ser depositados, o sistema emitiu um alerta, levando o departamento de compliance a investigar o assunto.

O jornal escreve, ainda, que terá sido o próprio motorista a admitir aos responsáveis do departamento de compliance do Novo Banco que fez estes depósitos por ordem de Carlos Brandão, que terá dado instruções para que depositasse sacos de notas em bancos portugueses, em contas em nome de Carlos Brandão.

Que crimes é suspeito de ter cometido?

Segundo a informação entretanto adiantada pelo Ministério Público, o administrador do Novo Banco (que não é nomeado por esta entidade) é suspeito de ter cometido crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação. Carlos Brandão foi constituído arguido, tal como a sua mulher.

Segundo o Observador, Carlos Brandão e a mulher são suspeitos de terem branqueado cerca de 500 mil euros. A origem do dinheiro está por determinar, mas os negócios em causa envolverão compra e venda de imóveis, refere o jornal online.

Entre as práticas investigadas pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária (PJ), estarão "reuniões secretas" entre Carlos Brandão e um membro do Governo da Guiné-Bissau, bem como as ligações do antigo administrador do Novo Banco a investidores de Angola.

O que vai acontecer a Carlos Brandão?

A denúncia do Novo Banco ao Ministério Público terá chegado ainda durante o Verão de 2024, segundo o Observador. Mas o administrador manteve-se no cargo durante estes meses, uma decisão tomada em acordo com o regulador, com o objectivo de "não interferir com a investigação do Ministério Público", segundo esclareceu Mark Bourke numa comunicação enviada aos trabalhadores, citada pela Lusa. "Foi necessário manter a pessoa em causa no seu cargo e garantir a estrita confidencialidade do assunto", lê-se nessa nota.

Destituído do cargo de administrador e demitido do banco, Carlos Brandão enfrenta agora a investigação do Ministério Público, que ainda decorre e no âmbito da qual é arguido, e deverá ficar afastado, permanentemente, do sector da banca. Para voltar a ser administrador no sector, teria de se sujeitar a um exame de avaliação da idoneidade conduzido pelos reguladores (obrigatório à luz das regras europeias).

Os clientes do Novo Banco foram lesados?

Apesar de Carlos Brandão ter continuado em funções durante vários meses quando já era suspeito de ter cometido os crimes em causa, o Novo Banco assegura que não houve qualquer prejuízo para os clientes. "Foram imediatamente adoptadas todas as medidas necessárias e adequadas à situação, com vista à protecção do banco e de todos os seus stakeholders, tendo o banco agido em total coordenação e cooperação com as autoridades competentes", refere o Novo Banco no comunicado enviado na terça-feira à CMVM.

Já na carta aos trabalhadores, Mark Bourke sublinhou que as práticas alegadamente cometidas não têm "qualquer impacto nos clientes, nas contas ou operações dos clientes ou na actividade do banco, nas operações comerciais, nos sistemas de gestão de risco ou colaboradores".

Qual o impacto para a venda do Novo Banco?

Ainda nesta carta, o presidente executivo do Novo Banco salienta que o negócio do banco não é "de forma alguma afectado por estes acontecimentos", mas reconhece que "o facto de um executivo do banco ser alvo de uma investigação é um assunto muito sério e que está a ser tratado como tal". Esta, reconhece, é "uma situação altamente indesejável", mas o gestor garante que o Novo Banco permanece focado nos objectivos estratégicos e nos resultados.

A intenção da administração do Novo Banco, recorde-se, é vender a instituição, seja através de uma entrada em bolsa, seja com uma operação de venda directa a outra instituição. E, para já, o mercado não dá sinais de que este episódio possa ter algum impacto negativo na reputação da instituição.

Numa nota divulgada nesta quarta-feira, a agência de notação financeira canadiana DBRS destaca, precisamente, que o banco se mantém estável. "A Morningstar DBRS não considera, actualmente, que as circunstâncias em torno da decisão do banco de demitir o seu chief risk officer (CRO) tenham impacto no rating do banco", pode ler-se na nota, onde a agência acrescenta que "continuará a monitorizar quaisquer consequências adicionais do episódio, incluindo se o Novo Banco ou as autoridades de supervisão considerarão necessário que o banco faça alterações nos seus controlos internos".

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