Daniela Cunha, Katerina Drakos e Maria Luísa Moreira já se conheciam de painéis onde costumavam participar. Foi assim que conheceram também “a bolha” da participação pública: as mesmas caras – maioritariamente masculinas – que se repetem no espaço mediático, do comentário, às conferências ou notícias.
As três queriam encontrar uma forma de mudar o cenário. Foi quando Maria Luísa, analista e consultora em geopolítica, foi convidada para participar num programa sobre as eleições europeias que a reflexão sobre isto se tornou mais séria, enquadra Daniela Cunha. “Os assuntos europeus são a minha área de especialização, e a Maria Luísa achou que fazia sentido ir uma pessoa da área [em vez dela] e recomendou-me. A partir daí começámos a ter esta conversa de como, mesmo quando as pessoas desta bolha tentam dar espaço a outras, acaba por ser difícil apresentar outros nomes e não estarmos sempre a repetir pessoas que conhecemos ou com quem já estivemos nos painéis.”
Nascia, assim, o projecto 50 Vozes, uma tentativa de “não reproduzir a bolha”, dar espaço a outras mulheres e ter novos nomes para indicar quando “o convite não faz sentido” ou não é exactamente a área da pessoa que foi convidada. Uma espécie de lista de talentos de diferentes áreas.
O ponto de partida foi um formulário nas redes sociais, aberto a “qualquer mulher que se quisesse candidatar, de qualquer área, qualquer idade, região do país ou imigrante”. Receberam “umas centenas de nomes e candidaturas”, e, depois de um “processo de triagem para garantir equilíbrio nas áreas profissionais e académicas, a nível geográfico, de idade e diversidade”, fecharam a lista com 35 nomes, ao invés dos 50 a que se tinham proposto inicialmente.
“Nós teríamos 50 nomes, até porque tínhamos muitas candidaturas, mas estávamos muito preocupadas com a questão de não fazermos aquilo que queríamos combater. Portanto, nesse esforço de assegurar maior representatividade, começámos a perceber que para chegar aos 50 nomes iríamos ser repetitivas, até em termos de experiência profissional e académica”, refere Daniela Cunha.
Mais ainda, concluíram que “muitos dos convites” que fizeram a mulheres “com percursos incríveis” para se juntarem a esta lista acabaram por ser rejeitados. Eram “pessoas muito qualificadas com algum receio de aparecer, ou que achavam que os seus currículos não eram suficientemente bons”, descreve.
“Há um bocadinho de síndrome de impostor, que, em alguns casos, não foi mesmo possível ultrapassar.”
Não é surpreendente. Estudos mostram que as mulheres são mais propensas a acreditar que não merecem o sucesso que têm ou que não têm competências para as tarefas que desempenham – a tal síndrome do impostor. Os cargos de chefia continuam a ser ocupados maioritariamente por homens (em Portugal, as mulheres estão em maioria no SNS, por exemplo, mas continuam sub-representadas nos cargos de liderança); e um relatório das Nações Unidas mostra que “metade das pessoas em todo o mundo ainda acredita que os homens são melhores líderes políticos do que as mulheres” e “40% acreditam que os homens são melhores gestores executivos”.
Daniela, Katerina (médica e mestre em Saúde Mental Global) e Maria Luísa decidiram fechar a lista que iniciaram um Julho “assumindo a dificuldade” que tiveram ao longo do processo, e apresentando menos 15 nomes do que os inicialmente propostos. Esperam que, em conjunto com as mulheres que fazem agora parte do projecto, consigam encontrar “novos nomes, de diferentes áreas com mais diversidade”: “Para nós, também acabou por ganhar o espírito cooperativo que sempre quisemos que o projecto tivesse. Foi importante deixar esta abertura para mais nomes que possamos trabalhar com as pessoas que estão na lista e que, obviamente, têm outra rede”, relata.
A lista inclui nomes de mulheres “das ciências, saúde, inovação e engenharia – áreas que não estão tão associadas às mulheres em termos de presença mediática, já que elas aparecem muito associadas a comentários de ciências sociais”, afiança Daniela Cunha.
Há também mulheres de áreas como os “direitos humanos, diversidade e inclusão, justiça, relações internacionais, segurança, economia ou sustentabilidade”, com “experiências de vida completamente diferentes”, com carreiras mais longas, mulheres mais jovens e com um perfil socioeconómico “menos privilegiado”.
“Uma das nossas vozes trabalha nos Estados Unidos em produção de vacinas; temos uma técnica de intervenção social na Linha de Sintra, que trabalha junto das comunidades mais desfavorecidas; pessoas da comunidade migrante; temos alguns nomes que, se calhar, até já circulam por aí e pessoas de que provavelmente ninguém ouviu falar. Conseguimos também incluir uma pessoa com deficiência, uma dificuldade, já que a maioria destas pessoas acaba por não estar [no espaço mediático]”, exemplifica.
A lista deverá ser lançada “ainda durante o mês de Janeiro”. A página de LinkedIn do projecto já está em funcionamento e deverão ser lá lançados os 35 perfis.
“O projecto não é de nós as três, é de todas agora. Queremos perceber o que pode ser feito daqui para a frente, se as pessoas que agora estão no projecto podem liderar uma nova lista e, a partir daí, estabelecer uma rede entre todas”, espera. E cumprir o propósito de ouvir a voz a mais mulheres.