Extremos climáticos causaram prejuízo de 553 mil milhões de euros em 2024

A partir de dados de satélite e estações meteorológicas, o Observatório Mundial da Água fez o apanhado de um ano quente, com extremos de chuva e seca que mataram 8700 pessoas e deslocaram 40 milhões.

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Inundação causada pela passagem do Furacão Beryl, no Texas, em Julho de 2024 Adrees Latif/REUTERS
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Das inundações do Rio Grande do Sul, em Abril último, no Brasil, à seca que assolou o Sul do continente africano, em Julho e Agosto, os eventos extremos produziram um bom número de desgraças em 2024. Ao todo, morreram 8700 pessoas, outros 40 milhões foram desalojados e houve um custo global de 553 mil milhões de euros em vários fenómenos deste tipo contabilizados no Observatório Mundial da Água – Relatório de Síntese de 2024, publicado esta segunda-feira.

“2024 foi um ano de extremos, mas não foi uma ocorrência isolada”, diz Albert van Dijk, professor na Universidade Nacional da Austrália, que lidera o Observatório Mundial da Água (OMA), um consórcio de várias organizações e indivíduos para partilhar de forma rápida e livre dados sobre o clima e recursos hídricos a nível global. “É parte de uma tendência cada vez pior de inundações mais intensas, secas prolongadas e extremos que batem recordes”, contextualiza, citado num comunicado da universidade.

O ano de 2024 ficou para trás, mas só agora é que as contas dos últimos 12 meses sobre parâmetros e extremos climáticos podem ficar completas, oferecendo mais uma fotografia do estado do planeta num contexto de alterações climáticas. O novo relatório do OMA “contém informação acerca da precipitação, das temperaturas do ar, da humidade, das condições do solo e da água subterrânea, da vegetação, dos caudais dos rios, das inundações e do volume dos lagos em 2024”, lê-se logo no sumário do relatório. Além disso, mostra alguns dos fenómenos hidrológicos extremos mais importantes do último ano.

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Residentes da cidade Pumula East, no Zimbabwe, caminham para casa depois de terem ido buscar água a um poço, durante uma temporada de seca que assolou o país, em 2024 KB Mpofu/Reuters

Recordes de precipitação

O documento foi produzido a partir de milhares de dados colectados por satélite e pelas várias estações meteorológicas mundiais, colocadas no terreno. Em termos de precipitação média, o ano de 2024 caiu dentro da média da década 1995-2005 – que serviu como período de comparação para os vários parâmetros. No entanto, a frequência dos fenómenos extremos de precipitação e as temporadas de seca continuam numa tendência crescente, confirmando as expectativas dos cientistas climáticos para um planeta mais quente.

“Descobrimos que os recordes de chuva estão a ser quebrados com uma regularidade cada vez maior”, exemplifica Albert van Dijk, cientista ambiental especializado em questões de hidrologia. “Por exemplo, os recordes de precipitação mensal foram atingidos 27% mais frequentemente em 2024 do que no início do século, já recordes diários foram atingidos 52% mais frequentemente. Recordes mínimos foram 38% mais frequentes, por isso estamos a assistir a extremos piores nos dois pólos.”

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Uma imagem de drone da região inundada de Porto Alegre, no Brasil, a 5 de Maio de 2024 Renan Mattos/Reuters

Países na África Ocidental como o Níger e o Mali bateram recordes de precipitação. Já na Europa, a Dinamarca, o Luxemburgo e o Mónaco apresentaram os níveis de precipitação mais altos. A Índia também viveu um recorde de chuva a nível nacional. Por oposição, a Zâmbia, o Zimbabwe e a República Democrática do Congo, em África, e a Colômbia, na América do Sul, obtiveram a menor quantidade de precipitação desde que há registo.

Relativamente à temperatura atmosférica superficial, o relatório olhou apenas para os valores nas massas de terra, deixando de fora os oceanos. Deste modo, em terra, 2024 viu subir as temperaturas médias em 1,2 graus Celsius em relação à década de 1995-2005, e 2,2 graus em relação ao período pré-industrial.

Tendo em conta que a temperatura global atmosférica de 2024 deverá rondar os 1,5 graus acima do período pré-industrial, o valor do novo relatório apenas para as massas de terra mostra como as temperaturas estão a subir mais a nível dos continentes do que dos oceanos. “Globalmente, 2024 foi o ano mais quente registado em terra”, lê-se no relatório. “Tem havido um aumento estatisticamente significativo de 0,35 graus Celsius por década.”

O recurso mais crítico

Alguns destes recordes estão associados a eventos extremos que, de Março a Outubro, afectaram muitas regiões. “De secas históricas a inundações catastróficas, estes eventos extremos têm impacto nas vidas, nas formas de vida e em ecossistemas inteiros”, adianta Albert van Dijk. “Fenómenos de chuvas fortes causaram inundações repentinas espalhadas pelo Afeganistão e Paquistão, matando mais de mil pessoas”, exemplifica o cientista, referindo-se aos eventos que foram decorrendo entre Março e Setembro, que obrigaram ao deslocamento de 1,5 milhões de pessoas e provocaram um prejuízo económico de cerca de 1,44 milhões de euros.

O relatório refere ainda as inundações no Leste africano entre Abril e Maio, a seca e os incêndios na Amazónia, de Abril a Setembro, as enchentes fluviais na China, de Maio a Julho, as monções no Bangladesh, em Agosto, a temporada de furacões que afectou o Sudeste dos Estados Unidos, em Setembro e Outubro, e as inundações repentinas no final de Outubro em Valência, entre outros.

Dos fenómenos listados, o que provocou mais mortes foi o deslizamento de terras na Papua-Nova Guiné, em Maio, que matou mais de duas mil pessoas. Por outro lado, foi a seca no Sul de África, em Julho e Agosto, que obrigou a deslocar o maior população: 30 milhões de pessoas. Já os furacões nos Estados Unidos custaram 481,55 mil milhões de euros ao país.

“A água é o nosso recurso mais crítico, e os seus extremos – tanto as inundações como as secas – estão entre as maiores ameaças que enfrentamos”, afirma Albert van Dijk. “Precisamos de nos preparar e de nos adaptar para mais inevitáveis eventos extremos severos. Isso pode querer dizer protecções mais fortes contra inundações, o desenvolvimento de produção alimentar mais resiliente à seca e de mais fontes de abastecimento de água, e sistemas de aviso precoce melhorados.”