Tribunal brasileiro abre investigação contra reservista israelita suspeito de crimes em Gaza
Autoridades israelitas ajudaram o antigo soldado a sair do país depois de acção legal contra ele. Fundação que iniciou o processo congratula-se com “momento histórico”.
Um tribunal brasileiro iniciou uma investigação contra um cidadão israelita, militar na reserva que participou em operações militares na Faixa de Gaza e que estava no Brasil – o reservista já deixou o país com o apoio das autoridades israelitas, no que a fundação que levou o caso à justiça apresenta como “um precedente poderoso”.
A decisão do tribunal foi tomada no final da semana passada, depois de uma acção iniciada pela Fundação Hind Rajab, com sede em Bruxelas, e que tem apresentado em tribunais de vários países acusações contra militares israelitas, sobretudo casos de soldados que se tenham filmado ou fotografado a cometer actos que possam ser crimes de guerra na Faixa de Gaza e tenham publicado essas imagens nas redes sociais.
Este é o caso do militar que esteve no Brasil, tendo a acção legal base no facto de haver imagens em que destrói casas e outros dados por exemplo de geolocalização que provam a acção, afirma a organização.
“Este é um momento histórico”, declarou o presidente da fundação, Dyab Abou Jahjah, citado pela agência de notícias turca Anadolu. “Estabelece um precedente poderoso para responsabilizar criminosos de guerra.”
A Fundação Hind Rajab, nomeada em honra de uma menina palestiniana de cinco anos que foi morta num ataque israelita na Faixa de Gaza, iniciou acções legais contra militares que visitaram países como Argentina e Chile (o mesmo militar), por exemplo, mas não tinha ainda havido notícia de outro país ter iniciado um processo.
Em Novembro, o Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, emitiu mandados de captura para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e o ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, por suspeita de crimes de guerra e contra a humanidade (também emitiu um mandado contra Mohammed Deif, o líder militar do Hamas que se pensa estar morto embora não haja provas, as duas outras figuras da liderança do Hamas que estavam a ser investigadas pelo TPI, Yahya Sinwar e Ismail Haniyeh, foram entretanto mortas por Israel).
Israel rejeita as acusações e acusa o TPI de anti-semitismo.
Os processos na justiça internacional, tanto no TPI como em países que possam decidir aplicar o princípio da jurisdição universal, baseiam-se na falta de perspectiva de justiça no país dos suspeitos ou do local onde os crimes são cometidos. Israel diz que as suas forças em Gaza estão a agir de acordo com o direito internacional e que quaisquer violações são alvo de processos no seu sistema judicial.
Várias organizações defendem que não só os responsáveis políticos e chefes militares sejam acusados por crimes cometidos na Faixa de Gaza, mas também soldados envolvidos em crimes de guerra ou contra a humanidade.
O caso da abertura do processo no Brasil – a 30 de Dezembro, por decisão de um tribunal federal, segundo a CNN Brasil – marca a primeira instância de um Estado signatário do Estatuto de Roma a aplicar directamente as suas provisões sem recorrer ao Tribunal Penal Internacional, sublinhou a Fundação Hind Rajab no seu site. A fundação apresentou ainda no TPI, em Outubro, queixas contra 1000 militares acusados de crimes.
O caso do Brasil “levantou a hipótese de que soldados [e não só altos responsáveis] também possam enfrentar acusações enquanto viajam para o estrangeiro”, segundo o diário israelita Haaretz.
Se os soldados no activo têm de pedir autorização para sair, os reservistas não, escreve o diário, o que pode dar origem a casos como este. As Forças Armadas de Israel estão, por isso, a avisar os reservistas do perigo de serem alvo de acções judiciais caso saiam do país (ao mesmo tempo que há críticas ao Exército por não bloquear a divulgação de imagens de Gaza, em que soldados já se mostraram a partir lojas palestinianas, a fazer troça do que encontram em casas palestinianas incluindo de roupa interior feminina, ou a destruir casas ou outros imóveis enquanto entoam cânticos racistas, por exemplo).
O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel afirmou este domingo que “na sequência de uma tentativa de elementos israelitas investigarem um soldado israelita na reserva que estava a visitar o Brasil, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Gideon Saar, activou de imediato o ministério para assegurar que o cidadão israelita não estava em perigo”, cita a estação de televisão norte-americana CNN.
A comissão de Negócios Estrangeiros do Parlamento israelita vai discutir potenciais processos contra soldados no estrangeiro nesta segunda-feira.
Notícia alterada a 6.1.2025, o segundo parágrafo foi reformulado para ficar mais claro.