Este estuário foi invadido por caranguejos-verdes. Lontras marinhas podem ser a solução

As lontras marinhas podem travar o domínio dos caranguejos verdes, espécie invasora oriunda do continente europeu que ocupou a Costa Oeste dos EUA e da qual elas se alimentam.

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As lontras marinhas têm comido cerca de 120 mil caranguejos verdes por ano Melina Mara / The Washington Post
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Quando o ecólogo Rikke Jeppesen iniciou a sua investigação, há duas décadas, uma espécie invasora tinha tomado conta de ecossistemas em toda a costa ocidental do condado de Monterey, na Califórnia.

Jeppesen procurava soluções para os estragos que os caranguejos-verdes (Carcinus maenas) tinham causado, danificando os leitos de ervas marinhas em vários estados, comendo pequenas presas cruciais para a sobrevivência de outras espécies e persistindo apesar dos frequentes esforços para os remover. Foram gastos milhões de dólares para proteger as águas destes caranguejos, que são nativos da Europa.

Mas, para sua surpresa, Jeppesen descobriu no estuário que estava a estudar uma maneira muito mais simples de remover os caranguejos-verdes: lontras marinhas, peludas e famintas.

Assistentes de gestão do estuário

As lontras marinhas são raras na maioria dos ecossistemas, depois de terem sido caçadas até quase à extinção nos séculos XVIII e XIX. Mas em Elkhorn Slough, na Califórnia, uma reserva onde vivem cerca de 120 lontras marinhas do sul (Enhydra lutris nereis), os simpáticos predadores de topo provocaram o desaparecimento dos caranguejos-verdes ao comerem, por ano, até 120 mil caranguejos desta espécie invasora.

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As lontras marinhas alimentam-se dos caranguejos-verdes que invadem determinados habitats Melina Mara / The Washington Post

Os investigadores descrevem que as suas descobertas, publicadas em Dezembro na revista Biological Invasions, mostram a importância de proteger as lontras e outros predadores nativos numa altura em que existem cerca de um milhão de espécies de plantas e animais em risco de extinção.

“As lontras marinhas são os assistentes de gestão do estuário, ajudando-nos a manter os invasores sob controlo”, explicou ao Washington Post Rikke Jeppesen, que agora trabalha na reserva.

Ameaça difícil de erradicar

Os caranguejos-verdes tornaram-se uma grande ameaça para os ecossistemas costeiros da Costa Oeste dos EUA no final da década de 1980, depois de terem sido introduzidos na Baía de São Francisco de forma involuntária, possivelmente por navios de comércio, relatam os investigadores.

O estado de Washington comunicou em Setembro que planeia gastar cerca de 12 milhões de dólares para gerir a sua população de caranguejo-verde. Oregon incentivou os apanhadores a remover 35 caranguejos-verdes por dia das suas águas. Em 2021, os cientistas disseram que não conseguiram erradicar os caranguejos-verdes de um estuário em Stinson Beach, na Califórnia, após anos de esforços.

Rikke Jeppesen era um estudante de pós-graduação na Universidade da Califórnia em Santa Cruz no início dos anos 2000 quando colocou pela primeira vez armadilhas para peixes — iscadas com anchova crua ou sardinha — em Elkhorn Slough para estudar os caranguejos-verdes.

Por vezes, capturava até 100 caranguejos-verdes numa única armadilha. Mas, nos anos seguintes, Jeppesen recorda que apanhou menos caranguejos.

Assim, em vez de estudar a razão pela qual os caranguejos-verdes eram bem-sucedidos, como tinham sido noutros estuários, perguntou-se por que razão já não estavam a prosperar em Elkhorn Slough. Ela sabia que uma das maiores mudanças na reserva durante esses anos foi a população de lontras marinhas.

Lontras marinhas: uma solução?

As lontras marinhas, que durante muito tempo foram caçadas pelo seu pêlo espesso e macio, têm vindo a recuperar lentamente na costa ocidental dos EUA desde o início do século XX. Acreditava-se que estavam extintas até que, em 1914, uma pequena população foi descoberta ao largo da costa rochosa de Big Sur, no estado da Califórnia. Receberam protecção federal na década de 1970.

Os primeiros machos de lontras marinhas chegaram a Elkhorn Slough na década de 1990, conta Kerstin Wasson, coordenadora de pesquisa da reserva. Quando as lontras fêmeas chegaram, no início dos anos 2000, começaram a ter bebés. Entretanto, o Aquário da Baía de Monterey libertou algumas das suas lontras marinhas no lodaçal.

Algumas melhorias no ecossistema surgiram rapidamente. As lontras marinhas comeram várias espécies de caranguejos, permitindo que os caracóis, que os caranguejos comem, se desenvolvessem. Os caracóis comeram então mais algas que tinham impedido a luz solar de chegar à erva marinha. Mais ervas marinhas proporcionaram protecção aos peixes jovens e alimento às aves migratórias.

O impacto das lontras na população de caranguejos-verdes tornou-se evidente por volta de 2010, referiu Rikke Jeppesen. Em 2014, um investigador estava a apanhar caranguejos das armadilhas quando viu uma lontra marinha consumir cerca de 30 caranguejos verdes numa hora.

Benefícios inesperados para os habitats

Os investigadores disseram que receavam que o declínio da população de caranguejos-verdes pudesse ter sido um acaso, mas a tendência manteve-se na década seguinte. Embora existam outros animais em Elkhorn Slough que comem caranguejos-verdes, como tubarões, raias, aves pernaltas e caranguejos maiores, a espécie invasora só diminuiu quando a população de lontras aumentou.

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Uma lontra-marinha no estuário de Elkhorn Slough EMMA LEVY

“Pensamos no restauro da natureza mais numa perspectiva de baixo para cima: temos de plantar as árvores que se perderam ou... plantar os sapais”, acrescentou Wasson. “Mas, ao mesmo tempo, isso não é suficiente e também precisamos de restaurar as redes alimentares.”

Ao contrário de outros mamíferos marinhos que se mantêm quentes com gordura, como as baleias e as focas, as lontras marinhas mantêm-se quentes comendo até 25% do seu peso corporal por dia, de acordo com o Aquário da Baía de Monterey. As lontras comem uma variedade de animais, como amêijoas, ouriços-do-mar e mexilhões, mas ainda incluem caranguejos verdes nas suas dietas em Elkhorn Slough.

“Ninguém fica a perder”

Existem cerca de três mil lontras marinhas do sul da Califórnia, em comparação com as dezenas de milhar que outrora se deslocavam até ao México. O Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA (FWS, na sigla em inglês) considerou um plano de reintrodução de lontras na costa do Pacífico, que, segundo a agência federal, custaria entre 26 e 43 milhões de dólares ao longo de 13 anos.

Os investigadores da Califórnia afirmaram que o seu estudo prova que as lontras podem proporcionar benefícios inesperados quando regressam aos seus habitats naturais. Agora, quando os investigadores montam armadilhas, disse Jeppesen, normalmente apanham menos de 10 caranguejos-verdes em cada uma.

“É realmente uma situação em que todos ganham, se pudermos ajudar a proteger essas espécies nativas”, referiu Jeppesen. “Pode beneficiar o ecossistema de várias formas, incluindo a protecção contra invasores. Ninguém fica a perder neste caso.”