Política nacional, com fontes e protagonistas masculinos, dominou noticiários televisivos em 2023

Olhando para os principais temas, a excepção foi a CMTV, em que os assuntos relacionados com a ordem interna foram os mais tratados no principal noticiário do dia, segundo um relatório da ERC.

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A política nacional foi o tema mais tratado em quase todos os noticiários principais dos canais portugueses Nuno Ferreira Santos (Arquivo)
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A política nacional é a grande protagonista dos noticiários do horário nobre de quase todos os canais televisivos portugueses, com excepção de um: o Grande Jornal da CMTV, em que as peças relacionadas com a ordem interna (o que inclui crimes ou acidentes, por exemplo) se sobrepõem a todas as outras. Este é um dos resultados do relatório Pluralismo e Diversidade Análise da Informação Diária de Horário Nobre da RTP1, RTP2, SIC, TVI e CMTV em 2023, realizado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Outras conclusões indicam que as fontes e os protagonistas do sexo masculino continuam a dominar a agenda noticiosa, enquanto as minorias surgem como “residuais”, assim como algumas regiões do país, que quase desapareceram das notícias.

Embora com algumas falhas sob a forma de alguns temas ou actores que estão ausentes de alguns noticiários , os principais blocos informativos do país fazem uma cobertura diversa do que se vai passando ao nível dos principais temas considerados pela ERC, para a análise anual que realiza sobre o pluralismo e diversidade nas notícias televisivas. Mas também é certo que poderá ter uma percepção diferente do que de mais importante se passa no país e no mundo, consoante o canal que escolha para o informar, com base nas quase quatro mil peças noticiosas analisadas. E que há enviesamentos com que pode contar em praticamente todos eles.

Se for um telespectador da RTP1, RTP2 ou SIC irá ter acesso a mais noticiário relacionado com a política nacional (numa percentagem que varia entre os 31% na RTP2 e os 25% na SIC) e política internacional, que surge em segundo lugar nos três canais, ocupando 27% dos conteúdos da RTP2 analisados pela ERC e 17% dos da RTP1. Caso a sua opção seja pela TVI, já terá mais noticiário internacional (23%), seguido do nacional (20%). A grande diferença, contudo, é mesmo se for um espectador da CMTV, onde a política internacional nem sequer tem lugar nos três temas dominantes (representa apenas 8% das notícias analisadas) e a política nacional (15%) é largamente suplantada pelo noticiário relacionado com a ordem interna e que representou 37% dos conteúdos noticiosos analisados. No terceiro lugar dos temas mais tratados por esta estação está o sistema judicial (12%), que tem uma representação muito mais modesta nos restantes canais (5% em todos eles).

A ordem interna tem também um lugar de destaque na SIC e na TVI, onde surge como o terceiro tema dominante, representando 9% das notícias analisadas em cada um destes canais, mas tem uma participação mais modesta nos dois canais públicos, havendo uma preferência pelos temas do desporto, na RTP1, e a cultura, na RTP2, que ocupam a terceira posição das principais temáticas tratadas, equivalendo a 11% dos conteúdos analisados.

Olhando globalmente para os cinco canais, a ERC refere que, “embora se verifique uma concentração dos três temas dominantes mais frequentes” política nacional, política internacional e ordem interna , é o Jornal Nacional da TVI que “apresenta a maior diversificação das categorias temáticas avaliadas, enquanto, no extremo oposto, surge o Jornal 2 (RTP2), por razões que se prendem com “a menor duração dos blocos informativos”.

Esta poderá ser uma das razões pelas quais a ERC não encontrou noticiário sobre grupos minoritários, defesa e desporto no Jornal 2, mas também o Grande Jornal da CMTV deixa de fora um tratamento adequado de alguns temas, refere-se no relatório, em concreto, noticiário relacionado com ciência e investigação e desenvolvimento.

Grande Lisboa domina

Quando se olha apenas para o país e as suas diferentes regiões, há outra situação que salta à vista: apesar de haver uma referência transversal às diferentes regiões, é o noticiário relacionado com a Grande Lisboa que surge com grande destaque em todos os canais (com menor peso na RTP2, com 10%, e atingindo o máximo na CMTV, com 21%), enquanto, à semelhança do que acontecia em anos anteriores, “as regiões autónomas dos Açores e Madeira, o Alentejo e o Algarve são as regiões menos salientes nos blocos informativos”.

De novo, quando se olha para regiões específicas e o tema dominante aí tratado, a ordem interna surge no topo de todas elas, na CMTV, enquanto nos restantes canais há variações consoante as regiões do país analisadas. Se a política nacional é o tema principal da Grande Lisboa nesses quatro canais, a ordem interna aparece como o tema mais referido nas peças da RTP1 sobre a região Norte, enquanto na SIC foi a cultura que dominou o noticiário dessa região. Notícias relacionadas com economia, finanças e negócios foram o grande destaque da SIC para o Grande Porto, enquanto a TVI apresentou mais notícias de desporto para esta área do país. Os temas de ambiente surgem destacados na RTP1 no noticiário sobre o Alentejo, enquanto a SIC viu nesta região do país sobretudo temas da área da sociedade.

O que é comum a todos os canais é a presença esmagadora de fontes e protagonistas do sexo masculino nas notícias apresentadas. Em todos os canais as fontes são, antes de tudo, oriundas da política nacional, e em todos os temas são sobretudo os homens que fornecem as notícias a percentagem mais baixa de fontes do sexo masculina é 71%, na CMTV, e a mais elevada chega aos 81%, na RTP2.

Presença "diminuta" de mulheres e de minorias

Quando se olha para os actores, também são as figuras da política nacional que dominam praticamente todos os canais (a excepção é a CMTV, em que são os protagonistas dos temas relacionados com a ordem interna que mais se destacam), e mais uma vez há uma predominância do sexo masculino, variando entre os 69%, na SIC, e os 81%, na RTP2.

A presença das mulheres enquanto protagonistas das notícias, refere a ERC, “é diminuta”, e elas surgem, antes de tudo, em trabalhos relacionados com a ordem interna, “com a subcategoria vítimas a surgir como a mais destacada”, seguindo-se a política nacional e a sociedade, com depoimentos enquanto “moradores/habitantes e familiares”.

Pior só mesmo as minorias, que quase não têm espaço nos blocos noticiosos, seja enquanto fontes ou protagonistas. A ERC indica que “a participação das fontes relacionadas com grupos minoritários é residual em todos os serviços de programas analisados”, sendo avaliada da mesma forma a prestação destas figuras enquanto protagonistas. Na análise feita, não foi, por exemplo, identificada qualquer peça em que os protagonistas fossem cidadãos portadores de deficiência ou membros da comunidade LGBTI+ nos dois canais públicos e na SIC.

A ERC salienta que, quando é dado destaque a minorias, “sobressaem os actores identificados como imigrantes/refugiados/minorias étnicas, seguidos dos grupos socioeconómicos vulneráveis”.

No documento é ainda referido que 2023 foi marcado por uma “maior expressão em comparação com os anos anteriores” dos temas relacionados com a política internacional, com as subcategorias “conflitos armados” a aparecerem com mais frequência. Uma consequência directa da guerra na Ucrânia e, a partir de Outubro desse ano, também da ofensiva israelita e da crise humanitária que ainda se vive na Faixa de Gaza.

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