Petição no parlamento quer facilitar caminho da nacionalidade para judeus sefarditas

Considerando a lei atual muito restritiva, proposta prevê opção de domínio da língua portuguesa como prova de pertença à comunidade como possível alternativa a morar por três anos em Portugal.

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Os descendentes de judeus expulsos de Portugal têm de obter documento do rabino que comprove que seguem a religião Nelson Garrido
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A Assembleia da República tem em andamento uma petição para modificar a lei de nacionalidade na parte que trata dos judeus sefarditas. A proposta de modificação pretende ampliar as possibilidades de os judeus de origem ibérica, que foram expulsos ou obrigados a fugir por causa da Inquisição, tenham maior facilidade para recuperar a nacionalidade portuguesa dos seus antepassados.

Atualmente, a Lei de Nacionalidade (Lei 37/81) prevê que os sefarditas possam ter a nacionalidade portuguesa se demonstrarem que pertencem a uma comunidade de origem portuguesa, com comprovação de ligação a Portugal e se tiverem residido legalmente em território português por pelo menos três anos. A proposta pretende incluir o domínio da língua portuguesa como alternativa a morar por três anos em Portugal. O conhecimento do português teria de ser validado por uma instituição reconhecida.

Para Fabrício Marvilla, o primeiro assinante da proposta de alteração da lei, a proposta busca dar sentido a essa parte da lei. “Acho que, da forma como está neste momento, a lei acaba sendo letra morta. Neste momento, para se obter o certificado na Comunidade Israelita de Lisboa está levando quase dois anos. Depois, é necessário morar por três anos em Portugal. Com o tempo que está para obter a nacionalidade como judeu sefardita, vale mais a pena pedir a nacionalidade por morar cinco anos em Portugal”, avalia.

Segundo Marvilla, a petição começou a recolher assinaturas no site do parlamento em novembro de 2024. “Já temos mais de 400 assinaturas. O ideal é que chegue às 1.000 assinaturas, o que garante a discussão em comissão. Se chegasse a 7.000, o que dá direito à discussão no plenário da Assembleia da República, seria melhor ainda”, explica Marvilla, que é professor de direito e tem as nacionalidades portuguesa e brasileira.

Escândalo de nacionalidade

O advogado Alfredo Roque, do escritório de advocacia VE Consultoria, conta que a forma restritiva da lei surgiu depois da repercussão da atribuição da nacionalidade a um indivíduo. “Tudo começou por causa de um escândalo depois que o oligarca russo Roman Abramovich conseguiu a nacionalidade dele, se não me engano, em oito dias”, lembra.

As normas, até 2022 eram diferentes. “Naquela época as regras diziam que só precisava uma carta do rabino do país de origem informando que a pessoa segue a religião e o reconhecimento da carta desse rabino por parte do rabino da Comunidade Israelita do Porto ou de Lisboa”, explica. Havia também a possibilidade de comprovar a descendência, mas é muito raro haver papéis com as informações sobre a árvore genealógica desde os anos 1500.

A lei foi modificada em março de 2022, com as mudanças entrando em vigor em setembro do mesmo ano. Nesse período, houve uma avalanche de pedidos de nacionalidade, com a entrada de mais de 150.000 processos. Com os atrasos na análise dos pedidos de cidadania portuguesa, neste momento ainda estão sendo analisados nas conservatórias pedidos de março de 2021.

Além de Portugal, também a Espanha tinha uma lei de reparação, que permitia que os judeus sefarditas obtivessem a sua nacionalidade. “Os espanhóis fecharam as portas há três anos e Portugal continuou”, relata Roque.

Segundo o advogado Diego Mayer, a mudança proposta por Marvilla é bem-vinda. “Desde que a lei surgiu a gente já imaginava que poderia ser cobrada a proficiência na língua como um vínculo com a comunidade portuguesa”, diz.

Ele usa exemplos de outros países europeus para justificar a posição. “A exigência da proficiência segue as diretrizes da União Europeia. A Itália e a Alemanha exigem esse tipo de vínculo nos casos de naturalização. É uma forma de comprovar vínculo efetivo ao país”, argumenta.

Ele explica que em processos de obtenção da cidadania é pedido que se prove uma ligação real ao país. “Muitas vezes, esse vínculo é subjetivo. Pertencer a um clube, ter um cartão da biblioteca ou fazer viagens a Portugal não é um critério objetivo. O domínio da língua, sim”, afirma.

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